INTRODUÇÃO
Sobre a
importância do tema basta mencionar estes aspectos:
1) O Theological Dictionary of the New Testament
de Kittel dedica 62 páginas ao estudo da palavra ira:
2) Há uma
compreensão totalmente errada, de modo geral no mundo e mesmo entre nós com
respeito à expressão "ira de Deus". Faz pouco tempo
obtive da Biblioteca Evangélica de São Paulo uma brochura, que é um sermão
intitulado "Pecadores nas Mãos de um Deus Irado" de autoria de Jonathan
Edwards, um destacado teólogo e erudito dos Estados Unidos no século XVIII. Suas
ponderações sobre a ira divina são verdadeiramente absurdas. Para termos uma
idéia precisa do que ele pregou basta este trecho:
"Ó
pecador, considera o temível perigo em que te achas! E sobre uma grande
fornalha de ira, um abismo hiante e sem fundo, cheio do fogo da ira, que és
seguro na mão daquele Deus, cuja ira é provocada e despertada contra ti, tanto
quanto contra muitos dos condenados do inferno.. ." O sermão é todo
neste mesmo diapasão, mostrando uma distorção total do caráter de Deus.
Definição de Ira
"Mágoa ou paixão que a injúria desperta na pessoa injuriada; raiva, cólera. Desejo de vingança." – Laudelino Freire. No consenso comum esta palavra significa fúria, raiva, cólera, com um desordenado desejo de vingança. Esta seria a ira humana, por isso é condenada na Bíblia.
IRA DO HOMEM
De acordo cem o Dicionário Enciclopédico da Bíblia (Editora Vozes Limitada, Petrópolis) a ira do homem geralmente é reprovada na Escritura; quanto ao Velho Testamento sobretudo, nos escritos de Salomão. O motivo parece ser mais utilitário desde que a ira nos causa prejuízo.
· Prov. 15:18 – "O homem iracundo suscita
contendas, mas o longânimo apazigua a luta."
· Prov. 18:19 – "Homem de grande ira tem de
sofrer o dano."
O Novo
Testamento também condena a ira, basta ler:
v
Mat. 5: 22 – "Quem se irar contra seu irmão
estará sujeito a julgamento."
v
Efésios 4:31 – "Longe de vós toda a
amargura, e cólera e ira..." Pode-se ler ainda: Gál. 5:20; Ecles. 7:9; Jó 5:2, Sal. 37:8;
Prov.14:17.
A ira está classificada pela Igreja Católica entre os sete pecados capitais; sendo os outros seis: orgulho, avareza, luxúria, gula, inveja, preguiça. Destes sete há dois que merecem, no uso corrente da linguagem, uma exceção muito honrosa, o orgulho e a ira. Falamos habitualmente em santo orgulho (a justa soberba) como em santa ira (o ódio bem fundado). Quando nos orgulhamos de atos que merecem o nosso respeito e representam verdadeiros paradigmas de nossa conduta, o orgulho deixa de ser pecado para se transformar em virtude. É o santo orgulho. Quando odiamos a injustiça, o erro, o pecado e discernimos, com isso, o bem do mal, o certo do errado, a virtude do relaxamento, esse ódio se transfigura e se redime. É a santa ira. Desta santa ira o próprio Jesus nos deu o exemplo, como se vê na sua maneira de falar sobre os fariseus e no seu comportamento no templo. Estas atitudes estão relatadas em Marcos 3:5 e Mat. 21:12. Em Marcos 3:5 no grego se encontra: olhando-os ao redor, cem ira – orguê. Não seria a esta ira que se refere a Palavra Divina, quando preceitua: "Irai-vos e não pequeis" (Efés. 4:26?
A PALAVRA IRA NO ESCRITO ORIGINAL
No Velho Testamento a palavra ira é a tradução de várias palavras do original hebraico, enquanto no Novo Testamento ira é a tradução de três palavras gregas:
(orguê); (thimós); (parorguismós):
1ª) orguê, a mais usada no Novo Testamento, por aparecer 385 vezes. É ira com
desejo de vingança. É a ira pensara, mais calma, mais firmada na vontade e na
razão, orguê é usada para a ira do homem: Efés. 4:31;
Col. 3:8; I Tim. 2: 8; Tiago 1:19, 20; para a ira de Cristo contra os fariseus,
relatada em Marcos 3:5; mas também para o julgamento final de Deus: Mateus 3:7;
Luc. 3:7; Rom. 1:18; 2:5, 8; 3:5; 12:10; Efésios 2:3; 5:6; Col. 3:6; I Tess.
1:10; 5:9.
2ª) thimós, empregada
apenas18 vezes, 10 das quais se acham no Apocalipse. É a paixão irascível, ira
a ferver, ira como algo em ebulição. W. E. Vine
Expository Dictionary of the New Testament Words, pág. 55 assim a distingue de orguê – "thimós expressa mais o
sentimento interno, orguê a emoção ativa." Vincent afirma:
"Tanto orguê como thimós são unidos
no Novo Testamento para ira ou cólera, e sem qualquer distinção comumente
observada. Orguê denota um mais profundo e mais
permanente sentimento, um hábito mental estabelecido, enquanto que thimós é uma agitação mais turbulenta, embora temporária. Ambas
as palavras são usadas na frase ira de Deus, que comumente denota uma
manifestação distinta do juízo divino (Rom. 1: 18; 3: 5; 9: 22; 12: 19)."
– Word Studies in the New Testament,
vol. II, pág. 110.
De acordo com The Interpreter's Dictionary of the Bible, vol. I, pág. 135,
a distinção a ser feita é esta: "Se há
qualquer distinção entre estas duas palavras no Novo Testamento em relação à
emoção humana, parece que thimós denota melhor a paixão
irrefletida da ira (por ex. Luc. 4:28); orguê, a indignação moral mais
relativamente considerada (Tiago1:19).
Nota: Há autores que afirmam que
nenhuma distinção rode ser feita entre estas duas palavras.
3ª) parorguismós. Nesta palavra
se encontra uma reforçada forma de orguê. Ela aparece apenas uma
vez no Novo Testamento em Efés. 4:26, com o sentido de ira provocada. O verbo cognato
parorguidzo, irritar, excitar à
ira é usado duas vezes: Rom. 10:19 e Efés. 6:4. Vine ao explicar parorguismós de
Efés. 4: 26 afirma:
"O verbo
precedente, orguidzo; neste verso faz supor uma
ocasião justa para o sentimento. Isto é confirmado pelo fato de que é uma
citação do Salmo 4:4 (Septuaginta), onde a palavra hebraica significa tremer
com forte emoção." – Expository
Dictionary of the New Testament Words, pág. 56.
IRA DE DEUS
Uma pesquisa na Bíblia nos leva à conclusão de que a ira humana e a ira de Deus são totalmente distintas. Freqüentemente o princípio da ira de Deus é apresentado em termos antropomórficos. Veja apêndice. Russel Norman Champlin, em seu comentário sobre Romanos 1:18 pondera:
"A ira de
Deus não indica alguma forma de emoção humana, que perturbe o equilíbrio
emocional das pessoas e as torne desejosas de ferir às outras, em forma de
ações maldosamente planejadas, conforme a ira humana geralmente obriga as suas
vitimas a fazerem. A ira de Deus é ordinariamente aludida em termos
escatológicos, referindo-se ao julgamento que haverá no futuro dia do
Senhor."
"É a justa
indignação de Deus quando do julgamento contra o pecado." – Idem,
comentário de Rom. 5:9.
F. F. Bruce no
livro: Romanos – Introdução e Comentário,
pág. 69 ao analisar Rom. 1:18 nos esclarece:
"Se se
pensa que a palavra ira não é muito apropriada para usar-se com relação a Deus,
é provavelmente porque a ira como a conhecemos na vida humana, constantemente
envolve paixão egocêntrica, pecaminosa. Com Deus não é assim. Sua 'ira' é a
reação da santidade divina face à impiedade e rebelião. Paulo decerto
concordaria com Isaías ao descrever esta ira de Deus, como 'sua obra estranha'
(Isaías 28:21) à qual Ele a aplica lentamente e com relutância. ...
"A idéia
de que Deus é ira não é mais antropopática do que o pensamento de que Deus é amor.
A razão pelo qual a idéia da ira divina está sempre sujeita a mal-entendidos é
que a ira entre os homens é eticamente errada. E contudo, mesmo entre os homens
não falamos da ira justa?"
Há dois
extremos que devem ser evitados ao tratar-se da ira de Deus. O primeiro
pertence àqueles que O apresentam cheio de amor e longanimidade e como um Pai
amoroso não irá destruir os seus filhos, portanto não acreditam na severidade
ou na ira de Deus. No extremo oposto se encontram os que apresentam a Deus como
um ser vingativo e irado que fará os homens queimarem para sempre. Muitos
sacrifícios têm sido feitos para aplacar esta ira.
Não há nenhuma
discrepância nos versos que apresentam a Deus cheio de bondade e amor com
aqueles que revelam sua ira contra o pecado e os pecadores que acintosamente o
rejeitam. O amor requer julgamento. A severidade divina é sempre manifestação
do amor.
Como bem se
expressou Arthur John Gossip:
"Mas no
Novo Testamento os homens não ouvem qualquer choque entre a ira divina e a
longanimidade divina: pelo contrário, ficam certos tanto da bondade como da
severidade de Deus; certos de que a sua severidade faz parte da Sua bondade, e
que, se essa severidade estivesse ausente, ele não seria bom, porquanto os
alicerces morais do mundo se desequilibrariam e entrariam em colapso."
1ª) Para que
haja manutenção das leis divinas que pedem justiça.
2ª) Para
extermínio do pecado e dos pecadores impenitentes que se opuseram à
misericórdia divina. A Bíblia nos
apresenta a ira de Deus desviada após confissão do pecado e arrependimento.
Salmo 106:43-45; Jer. 3:12, 13; 31:18-20; Luc. 15:18-20.
A ira de Deus é
justa. Salmo 58: 10, 11; Rom. 6:2, 8; Apoc. 16:6, 7. De acordo com
Rom. 2:4 e 5 a ira de Deus significa o juízo de Deus. Ela é usada
contra:
a)
Os ímpios – Isa. 13:9; Rom. 1:18; Efés. 5:6.
b)
A apostasia – Heb. 10:26-27.
c)
A idolatria – Deut. 29:27-28; Jos. 26:16; Jer. 44:3.
d)
Aqueles que se opõem ao evangelho. Salmo 2:2, 3, 5; I
Tess. 2:16.
Ela é temperada
com misericórdia no caso dos santos. Salmo 30: 5; Isa. 26:20; Jer. 30:11. Ela deve
conduzir-nos ao arrependimento. Isa. 42: 24-25; Jer. 4:8.
O livro Essays in Honor of Edward Heppenstall – The
Stature of Christ apresenta como capítulo final: "An Interpretation of
the Wrath of God", de Morris D. Lewis, trabalho honesto, bem fundamentado
e que expressa de maneira feliz a crença adventista sobre este empolgante tema.
Para que se tenha melhor compreensão do problema aqui se encontram traduzidos
das primeiras 8 páginas, das 22 de sua pesquisa, alguns trechos mais
significativos:
"As
centenas de textos bíblicos que descrevem a ira como uma característica de Deus
criam um problema. O amor na personalidade da Divindade parece estar em
conflito com as muitas referências às demonstrações de cólera, furor e ira de
Deus. Uma referência típica é aquela de Jeremias retratando a exasperação divina
por causa da pecaminosidade dos habitantes de Jerusalém.
"Assim diz
o Senhor, o Deus de Israel: . . . eu planejarei contra vós com mão estendida, e
com braço forte, e com ira, e com indignação e com grande furor. E ferirei os
habitantes desta cidade, assim os homens como os animais: de grande pestilência
morrerão. (Jer. 21:4-6).
"A maioria
dos teólogos modernos hoje crêem que em adição à característica divina de amor,
a personalidade da Divindade, às vezes, se inflama ante a rebelião do homem e
exibe cólera e ira para testificar contra a odiosidade do pecado. Alguns
escritores tendem ao raciocínio de que a ira de Deus é justificável porque é
expressa somente após incessante agravamento dos pecadores. Outros enfatizam
que a ira de Deus apenas confirma sua santa aversão ao pecado."
"Seja qual
for o arrazoamento para justificar a característica de cólera e ira na natureza
da Divindade, a argumentação é destituída de fundamento escriturístico. Os
Escritos da Inspiração como registrados por Isaías testificam da declaração do
próprio Deus: "Não há indignação em mim": (Isa. 27: 4). O mesmo
escritor também confirmou a atitude divina no verso nove do capítulo 54:9 –
". . . assim jurei que não me irarei mais contra ti, nem te
repreenderei." A palavra hebraica mais freqüentemente usada para
provocação é a mesma palavra usada muitas vezes para ira. Ficar zangado e ser
provocado e mostrar ira são expressões muito semelhantes e intimamente
relacionadas. Mas de Cristo, a escritora de O
Desejado de Todas as Nações disse: "Sua calma resposta proveio de um
coração imaculado, paciente e brando, que não se irritava."1 Cristo nunca foi agitado
por pecadores a ponto de revidar com uma atitude excitada. "O qual, quando
o injuriavam, não injuriava, e quando padecia não ameaçava" (I Ped. 2:23).
Cristo nunca foi provocado à cólera ou ira, e ele expressava o caráter de Deus
o Pai.
"Que Deus
é soberano é indisputável. Como o termo ira de Deus está relacionado com a
soberania da Divindade, liga-se primeiramente com a operação da lei. Quer em
função da natureza, quer em função do relacionamento moral do homem, a mesma
posição predominante de Deus permanece.
Disse o
salmista, falando de Deus: "Tu firmaste a terra, e firme permanece.
Conforme o que ordenaste, tudo se mantém até hoje; porque todas as coisas te
obedecem." Sal. 119:90, 91. Em outra referência o escritor depois de
exaltar o poder criador de Deus em estabelecer o sol, a lua, as estrelas e as
águas, concluiu: "Louvem o nome do Senhor, pois mandou, e logo foram
criados. E os confirmou para sempre, e lhes deu uma lei que não ultrapassarão.
(Sal. 148:5, 6).
São estas
apenas umas poucas das muitas referências em que Deus é retratado como
constantemente controlando a natureza pela lei natural. Neste contexto a
operação da natureza é declarada Sua serva.
Os processos da natureza que dão vida, alimento,
beleza e prazer são os servos de Deus. Eles executam Seu mando. Esses mesmos
processos podem tornar a ser uma tempestade ou uma praga para destruir o homem
e a natureza. As funções destrutivas da natureza podem muito bem ser chamadas a
ira ou a cólera de Deus.
"O Senhor
é um Deus zeloso e que toma vingança, o Senhor toma vingança e é cheio de
furor: o Senhor toma vingança centra os seus adversários, e guarda a ira contra
os seus inimigos. O Senhor é tardio em irar-se, mas grande em força, e ao
culpado não tem por inocente; o Senhor tem o seu caminho na tormenta, e na
tempestade, e as nuvens são o pó dos seus pés" (Naum 1:2-3).
O Senhor tem o
Seu caminho nas tempestades; elas, também, são Suas servas. Tempestades de tal
violência podem destruir os ímpios" (Jer. 23:19-20). Quer as operações da
natureza sejam tranqüilas e serenas, quer sejam violentas e destruidoras, ambas
as funções são mencionadas como sendo a mão de Deus.
A Palavra Inspirada
fornece uma compreensão mais profunda e atribui as funções naturais de
destruição aos poderes do mal. Disse Isaías: "Eis que o Senhor mandará um
homem valente e poderoso; como uma queda de saraiva, uma tormenta de
destruição, e como uma tempestade de impetuosas águas que transbordam,
violentamente e derribará por terra" (Isa. 28:2).
O valente e
poderoso é a força satânica. Em outra referência em Isaías o profeta observou o
poder de Deus como a força que cria o destruidor. ". . . também criei o
assolador para destruir". (Isa. 54:16). O artigo com a palavra assolador
indica uma pessoa específica. A mesma palavra aqui empregada ocorre em Êxo.
12:23, e nesta referência é traduzida por destruidor e tem também consigo o
artigo. Satanás é o poderoso como uma tempestade destruidora fazendo devastação
em a natureza.
Ellen White faz
as mesmas observações:
"Assim foi
que Lúcifer, “o portador de luz”, aquele que participava da glória de Deus, que
servia junto ao Seu trono, tornou-se, pela transgressão, Satanás, o “adversário”
de Deus e dos seres santos, e destruidor daqueles a quem o Céu confiou a sua
guia e guarda."2
"Satanás
também opera por meio dos elementos a fim de recolher sua colheita de almas
desprevenidas. Estudou os segredos dos laboratórios da Natureza, e emprega todo
o seu poder para dirigir os elementos tanto quanto o permite Deus. . . . nos
violentos furacões e terríveis saraivadas, nas tempestades, inundações,
ciclones, ressacas e terremotos, em toda parte e sob milhares de formas,
Satanás está exercendo o seu poder."3
Para o
observador casual a fúria da tempestade parece ser a demonstração direta do
poder divino. Isto não é totalmente verdade. O princípio bíblico de soberania
atribui a Um que comanda todos os atos feitos sob Sua autoridade.
Isto se verifica
claramente no trato de Davi com o amalequita que pretendia ter matado Saul. Em
uma referência (II Sam. 1:15), é dito que Davi chamou um de seus jovens para
lançar-se sobre o amalequita e matá-lo, e em outro relato (II Sam. 4:10), Davi
disse que lançou mão do homem e o matou. Aqui não há nenhuma contradição. O que
foi feito por aqueles que estavam sob o comando de Davi é dito ter sido feito
pelo próprio Davi. Este mesmo princípio é verdade na descrição do profeta da
soberania de Deus sobre todas as forças da natureza. A fúria da tempestade é
declarada ser a ira de Deus, quando em realidade a ira é Satanás usando os
elementos da tempestade quando Deus permite.
Como pode ser
dito que Deus trouxe a tempestade e ao mesmo tempo declarar que Ele não estava
nas funções destrutivas da natureza? Quando as impetuosas exibições da natureza
ocorreram no vento, terremoto e fogo, foi dito ao profeta Elias que Deus não
estava nelas. (I Reis 19:11, 12). A declaração acima de O Grande Conflito torna claro que tempestades e calamidades da
natureza são a obra do diabo, não de Deus. Satanás usa as leis de Deus para
destruir. As leis são de Deus. O propósito de destruir é o intento de Satanás.
A destruição é a obra do poder maligno, até onde Deus o permite.
Enfermidade, sofrimento
e morte são obra de um poder antagônico. Satanás é o destruidor, Deus é o
Restaurador.4 Onde quer
que a Bíblia fale de Deus como estando a causar destruição através dos
elementos da natureza, a destruição ocorre apenas por Sua soberana permissão e
através da operação de Suas leis.
"Nada
ocorre na Terra ou no Céu sem o conhecimento do Criador. Nada pode acontecer
sem Sua permissão."5
A obra de
destruição no mundo natural é a obra de Satanás; é dito ser de Deus apenas no
sentido de Sua soberania.
Para entender a
ira, é muito importante ver a relação íntima entre a lei natural e a lei moral.
"Os homens
podiam aprender do desconhecido pelo conhecido; coisas celestiais foram
reveladas pelas terrenas; . . . As coisas naturais eram o veículo para as espirituais;
cenas da Natureza e da experiência diária de Seus ouvintes eram relacionadas
com as verdades das Escrituras Sagradas."6
Todo o esquema
do ensino bíblico está baseado na íntima relação das leis natural e moral.
Paulo concluiu: "Não erreis; Deus não se deixa escarnecer; porque tudo o
que o homem semear, isso também ceifará. Porque o que semeia na sua carne, na
carne ceifará a corrupção; mas o que semeia no Espírito, do Espírito ceifará a
vida eterna" (Gál. 6:7, 8).
Cristo repetiu
o mesmo princípio básico de ensino quando Se referiu à Sua morte como um grão
de trigo caído no solo. (João 12:24, 25).
É mais evidente
perceber a lei física na operação de cada simples função do corpo humano. É
menos aparente, mas certamente como concreto, concluir que a operação da
evolução e inteligência humanas está em conexão com a lei moral.
Como supremo
Soberano do Universo, Deus ordenou leis para o governo não só de todos os seres
vivos, mas de todas as operações da Natureza. Todas as coisas, quer grandes
quer pequenas, animadas ou inanimadas, acham-se sujeitas a leis fixas, que não
podem ser desrespeitadas. Não há exceções a esta regra; pois coisa alguma feita
pela mão divina, foi esquecida pela mente divina. Mas se bem que tudo em a
Natureza seja governada pela lei natural, o homem, tão-só, como ser
inteligente, capaz de compreender seus reclamos, é responsável à lei moral.7
Cada função,
seja física ou mental, está operando por lei. É bastante íntima a influência de
uma sobre a outra, e o princípio funcional é também íntimo. A autora White,
tendo citado Sal. 19:1-6, disse: "O salmista relaciona a lei de Deus no
mundo natural com as leis dadas às Suas inteligentes criaturas.8 Assim, a mesma função
operacional de vida e destruição na lei natural seria encontrada também na lei
moral.
Os dez
mandamentos são a regra básica para a vida e a morte; amor e ódio. O segundo
mandamento estabelece este duplo conceito.
". . .
Porque eu, o Senhor teu Deus, sou Deus zeloso, que visito a maldade dos pais
nos filhos até à terceira geração daqueles que me aborrecem. E faço
misericórdia em milhares aos que me amam e guardam os meus mandamentos"
(Êxo. 20:5, 6).
A lei diz que
Deus visitará suas iniqüidades sobre aqueles que odeiam e a Sua misericórdia
sobre aqueles que amam. Um princípio muito importante e distinto é formulado
aqui que envolve a natureza da ira e a fonte de sua origem. Deus é a fonte de
misericórdia sobre aqueles que amam, mas iniqüidade e ira vêm sobre o homem
tendo o próprio homem como fonte.
A palavra para
visitar no texto acima é a mesma palavra
usada para mandamento no texto seguinte: "As obras das suas mãos são
verdade e juízo; fiéis todos os seus mandamentos." (Sal. 11:7). O
princípio da visitação é uma lei. Quando o Senhor visitar os pecadores, Ele
visitará os seus pecados sobre eles. (Êxo. 32:34). Esta função da lei moral é
precisamente a mesma que a lei da natureza; o que é semeado, o mesmo é ceifado.
Se alguém semeia na carne, colherá na carne. O profeta Jeremias falando dos
falsos profetas disse que o Senhor visitaria sobre eles a maldade de suas
ações. (Jer. 23:2). No mesmo capítulo o profeta explicou o processo mais
detalhadamente.
"Portanto,
o caminho deles será como lugares escorregadios na escuridão; serão empurrados
e cairão nele; porque trarei sobre eles calamidade, o ano mesmo em que os
castigarei, diz o SENHOR" (Jer. 23:12).
O Senhor
visitaria os caminhos escorregadios sobre eles, e eles cairiam em trevas.
Assim, o dia da visitação é um dia de recompensa. (Osé. 9:7). O dia da
visitação é o dia em que os pecados que o pecador semeou tornar-se-ão uma
ceifa. A visitação dos pecados sobre os pecadores funciona à parte da
intervenção direta de Deus. Visitar a iniqüidade dos pais sobre os filhos é
retribuir o mal dos pecadores sobre si mesmos. Este processo é chamado a ira de
Deus.
"E aos que
são fiéis em Seu serviço, promete-se a misericórdia, não meramente à terceira e
quarta geração, como é ameaçada a ira contra os que O aborrecem, mas a milhares
de gerações."9
Na citação
acima a autora cita o comentário do segundo mandamento e iguala o termo
"visita a maldade dos pais sobre os filhos" com ira. Deste modo, o
processo de visitação como uma operação de lei traz ira sobre aqueles que
odeiam. Paulo faz a mesma declaração em Rom. 4:15 – ". . . a lei opera a
ira".
A lei moral
como a lei natural opera em um sentido duplo, para a vida e para a morte. Paulo
salientou distintamente a operação da lei do pecado como outra lei e a
denominou a lei do pecado e da morte.
"Mas vejo,
nos meus membros, outra lei que,
guerreando contra a lei da minha mente, me faz prisioneiro da lei do pecado que
está nos meus membros." "causou-me a morte" (Rom. 7:23, 13).
"Porque a
lei do Espírito da vida, em Cristo Jesus, te livrou da lei do pecado e da
morte." (Rom. 8:2).
A palavra outra está enfatizando outra em
qualidade de preferência a outra em número. (A palavra outra de Rom. 7:23 em
grego é – héteros e não – álos, por ser álos outro da mesma qualidade e
héteros – outro de
natureza diferente. Nota do autor do livro.)
Deus fala de
ambos os grupos, aqueles que são governados por Sua lei de amor. Falando de
Israel, o Senhor disse que eles eram Seus servos (Lev. 25:55) Também, a maioria
dos ímpios são chamados Seus servos. Assim o Senhor falou de Nabucodonosor
quando ele primeiro veio contra Judá. Sua soberania é inquestionável no domínio
do pecado e da justiça. A operação da vontade é do homem; a operação da lei é
Sua. Como declarou Davi que a ação de seu oficial subordinado era sua própria,
assim Deus fala do caminho dos pecadores como Sua própria realização.
"Eu sou o SENHOR, que faço todas as
coisas, que sozinho estendi os céus e sozinho espraiei a terra; que desfaço os
sinais dos profetizadores de mentiras e enlouqueço os adivinhos; que faço
tornar atrás os sábios, cujo saber converto em loucuras" (Isa. 44:24, 25).
O Senhor conduz os tortuosos e
aqueles que obram a maldade (Sal. 125:5). O Senhor conduz os mentirosos, os
adivinhadores, os sábios, e os tortuosos pela função de Sua lei do pecado em
suas vidas. Os poderosos da Terra são a vara da indignação de Sua ira.
"Ai da Assíria, cetro da minha
ira! A vara em sua mão é o instrumento do meu furor." (Isa. 10:5).
"O orgulho assírio, conquanto
usado por Deus por algum tempo como a vara de Sua ira, para punir as nações, não
deveria sempre prevalecer.10
A ira não era
uma expressão pessoal da Divindade. Os assírios, como servos de Deus da lei do
pecado, estavam sob Seu soberano controle. A palavra hebraica para ira neste
contexto é a mesma usada em muitos lugares.
Deus usou
Sisaque como Sua ira.
". . . Humilharam-se, não os destruirei;
antes, em breve lhes darei socorro, para que o meu furor não se derrame sobre
Jerusalém, por intermédio de Sisaque." (II Crôn. 12:7)
Não havia nenhuma expressão de ira da parte de
Deus neste exemplo. O Egito, como os outros poderosos da Terra, era o servo de
Deus. "Eu dei ordens aos meus consagrados, sim, chamei os meus valentes
para executarem a minha ira, os que com exultação se orgulham." (Isa.
13:3). Deus usa a ira dos homens para controlar os homens. Assim disse o
profeta: "Tão certo como eu vivo, diz o SENHOR Deus, com mão poderosa, com
braço estendido e derramado furor, hei de reinar sobre vós" (Ezeq. 20:33).
A operação da
lei do pecado (ira de Deus) é a relação de homens maus contra os homens maus.
Desta forma, Deus governa em sociedade com a ira dos homens maus para com
homens maus.
"Quando
pais ou governadores negligenciam o dever de punir a iniqüidade, Deus mesmo
tomará o caso em Suas mãos. Seu poder restringidor será em certa medida
removido dos agentes do mal, de tal forma que uma sucessão de circunstâncias se
levantarão, as quais punirão o pecado com pecado."11
Assim, vemos na
Bíblia e no Espírito de Profecia que Deus não é um Deus de ira. Ele é um Deus
que tem soberano controle de tudo, mesmo dos ímpios. As expressões nas
Escrituras que parecem indicar Deus com raiva e ira são, na realidade, a
verificação de Seu soberano controle.
A lei moral do
Deus de amor funciona pelo desejo e intenção da divindade; a lei do pecado e da
morte, que é a ira de Deus, funciona pela permissão de Deus. É um idiomatismo
da semântica bíblica para atribuir a Deus aquilo que em Sua providência Ele
permite que ocorra. "Deus domina sobre tudo" (Sal. 103:19). Isto
inclui também os ímpios. (II Crôn. 20:6). O trato de Deus para com os ímpios é
o da permissão. Do contrário, a Bíblia parece contradizer-se.
"Pois,
ainda que entristeça a alguém, usará de compaixão segundo a grandeza das suas
misericórdias; porque não aflige nem entristece de bom grado os filhos dos
homens" (Lam. 3:32, 33).
No primeiro
versículo acima, é declarado que Deus causa aflição e no seguinte é dito que
Ele não aflige ou entristece. Jeremias disse que o Senhor afligiu Jerusalém.
(Lam. 1:12) e Jó disse que o Todo-Poderoso não aflige (Jó 37:23). A verdade é
encontrada da avaliação das citações de Lamentações. O Senhor não aflige de Seu
coração; isto quer dizer, não é Sua intenção segundo Sua santidade. O Senhor
permite que a aflição ocorra.
"Nós lemos
que Deus tentou a Abraão, que Ele tentou aos filhos de Israel. Isto significa
que Ele permitiu que ocorressem circunstâncias para testar sua fé, e
conduzi-los a olhar para Ele para obter auxilio."12
Desta forma, o
Espírito de Profecia e a Bíblia concordam na semântica da permissão divina. O
que é dito do que Deus faz no reino do pecado é feito somente pela Sua
permissão. Um bom exemplo disto é encontrado em Isaías: "Eu formo a luz, e
crio as trevas; faço a paz e crio o mal; eu, o Senhor, faço todas estas
coisas" (Isa. 45:7).
Sob esta luz,
Jeremias disse: "Acaso não procede do Altíssimo assim o mal como o
bem?" (Lam. 3:38). O mal não procede do coração de Deus. A divindade
somente permite que o mal ocorra.
Tais
contradições aparentes são numerosas na Bíblia. As declarações da ira de Deus são
somente uma delas. Há um princípio muito definido e padronizado revelado em uma
longa conseqüência de causa e efeito do pecado. O eminente sábio hebreu
Mainmonides mostrou todos os eventos humanos como uma fila de dominós, tendo
efeito contingente sobre os eventos bem sucedidos. Sejam eles bons ou maus,
Deus foi a primeira grande causa. Então, citou ele o idiomatismo dos profetas
hebreus que cancela os eventos intermediários e conecta o primeiro ao último
como se não houvesse entre eles registro intermitente. Ao invés de um caso sem
envolvimento com o mal ou a ira, parecia como se Deus fosse o real causador.
"Satanás
procura esconder dos homens a ação divina no mundo físico – a fim de conservar
fora das vistas a incansável operação da primeira grande causa."13
"Os homens têm geralmente atribuído a Deus tais
características de raiva, ira, tentação, maldade, enviando fogo e oprimindo o
coração dos homens, quando na realidade tais termos são usados para estabelecer
Deus como a primeira causa e, por conseguinte, o soberano da terra. É tempo de
as dissimulações de Satanás serem expostas. Assim fazendo, Satanás é removido
de seu alto e cobiçado lugar e sujeito a uma linha de ação permitida por Deus.
Satanás pode exercer sua autoridade usurpada somente como Deus permite."14
"Seus sofrimentos são muitas vezes representados como sendo
castigo a eles infligido por decreto direto da parte de Deus. É assim que o
grande enganador procura esconder sua própria obra. Pela obstinada rejeição do
amor e misericórdia divina, os judeus fizeram com que a proteção de Deus fosse
deles retirada, e permitiu-se a Satanás dirigi-los segundo a sua vontade."15
Quantas vezes a
ira que veio a Israel foi interpretada como vinda de Deus. Assim, Satanás
oculta sua obra, atribuindo-a a Deus. Ele tem alistado muitos teólogos ao seu
lado para ajudá-lo nesta fraude.
"Satanás exerce domínio sobre todos os que Deus não guarda
especialmente. Ajudará e fará prosperar alguns, a fim de favorecer os seus
próprios intuitos; trará calamidade sobre outros, e levará os homens a crer que
é Deus que os aflige."16
Após outros
exemplos, confirmações e elucidações para ilustrar as maneiras distintas de
agir de Deus e Satanás, Morris D. Lewis conclui suas ponderações declarando:
Embora a ira do
homem opere pela lei de Deus, pela mesma lei o amor de Deus opera a ira do
homem. Deus não é um Deus de ira, mas um Deus de amor.
CONCLUSÃO
Quando a Bíblia fala da ira de Deus ela nos deseja ensinar que Ele é justo e tem aversão ao pecado. Ira de Deus é uma expressão bíblica que significa o castigo dos ímpios no Juízo Final. Ira de Deus é outra expressão para a justiça divina.
APÊNDICE: Os judeus apresentavam a divindade com reações humanas antropomórficas.
A palavra antropomorfismo
significa em grego – antropos, homens e morfê, forma. Seria atribuir a Deus
formas e qualidades humanas. A Bíblia fala da boca, lábios, mãos, olhos, etc.
de Deus. Atribui ainda à Divindade as paixões e sentimentos experimentados
pelos homens, por isso fala em cólera, alegria e vingança de Deus.
Referências
1. O Desejado de Todas as Nações, pág. 700.
2. Patriarcas e Profetas, pág. 40.
3. O Grande Conflito, págs. 589-590.
4. O Ministério da Cura, pág. 11.
5. Minha Vida Hoje, pág. 291.
6. Parábolas de Jesus, pág. 17.
7. Mensagens Escolhidas, vol. I, pág. 216.
8. SDABC, vol. III, pág. 1114.
9. Idem, pág. 306.
10. Profetas e Reis, pág. 349.
11. Profetas e Reis, pág. 728.
12. SDABC, vol. I, pág. 1094.
13. Patriarcas e Profetas, pág. 509.
14. Desire of Ages, pág. 130.
15. O Grande Conflito, pág. 35.
16. O Grande Conflito, pág. 589.
Extraído de Leia e Compreenda Melhor a Bíblia de Pedro Apolinário:
Adaptações, Grifos e Didática de:
Pr. Cirilo Gonçalves da Silva
Mestre em Teologia e Evangelista
Twitter: @prcirilo