Pesquisando este assunto com mais profundidade, concluiremos
que este texto não deve ser usado, como prova de que o repouso sabático
permaneceu inalterável após a morte de Cristo. Embora o tema ventilado nesta
passagem não seja o dia santificado, ele nos traz uma profunda mensagem
referente ao sábado do sétimo dia.
Para uma boa
compreensão deste problema, é preciso estudar os capítulos 3 e 4 da carta aos
Hebreus, ou o contexto deste verso. Pela leitura se conclui que o autor da
carta mostra como o povo judeu, do tempo de Moisés e Josué, não conseguiu
entrar no repouso de Deus por causa da sua incredulidade.
Quando Deus
tirou a Israel do Egito Ele disse a Moisés: "A minha presença irá contigo,
e eu te darei descanso". Êxo. 33:14.
Para Moisés e
Israel estas novas eram muito agradáveis após um período de lutas e agitações
no Egito.
As promessas de
descanso eram condicionais:
"Agora,
pois, se diligentemente ouvirdes a minha voz, e guardardes a minha aliança,
então sereis a minha propriedade peculiar dentre todos os povos. . .".
Israel, muito interessado em entrar na Terra prometida, sempre se lembrava das
promessas, mas se esquecia de cumprir as condições. Sabemos que por sua
incredulidade quase todos morreram no deserto, sem desfrutarem da Terra
prometida.
Foi a este
mesmo descanso que Jeremias se referiu quando disse: "Ponde-vos à margem
no caminho e vede, perguntai pelas veredas antigas, qual é o bom caminho; andai
por ele e achareis descanso para as vossas almas.. . ." Jer. 6:16.
O livro de
Hebreus tem como centro a obra de Cristo para salvar a humanidade. Os capítulos
3 e 4 constituem um apelo para que o povo não falhasse em entrar no repouso
divino, como havia acontecido aos filhos de Israel durante as vagueações pelo
deserto.
O descanso aqui
mencionado é a libertação das tribulações, tragédias, angústias e dores após a
segunda vinda de Cristo. Este descanso seria uma maneira diferente de falar da
salvação que Deus nos oferece.
Norman Russell
Champlin em O Novo Testamento
Interpretado Versículo por Versículo, Vol. 59, pág. 513, assim se expressou
sobre o descanso de Hebreus 3 e 4:
"A fim de
que se aplique bem a passagem do A.T., em consideração, o termo chave descanso
deve assumir um sentido diferente daquele que foi obviamente empregado no caso
da geração do deserto. Ali a palavra
indicava uma vida pacífica e estabelecida em Canaã, a Terra prometida.
Portanto, esse termo tinha um sentido essencialmente físico. Para os judeus
cristãos, porém, era necessário dar-lhe um significado espiritual, equivalente
ao entrar nas bênçãos do mundo espiritual. Todavia, essa modificação não foi
feita pelo próprio autor sagrado. Primeiramente, isso faz parte inerente do
próprio A.T., pois, apesar de que Israel buscava um descanso terreno, por outro
lado sempre houve o ensino de seu paralelo celeste, o bem-estar espiritual,
embora os pensamentos sobre o outro mundo não tenham sido definidos do mesmo
modo como o é no cristianismo, séculos mais tarde".
Uma pergunta
natural que vem à nossa mente é esta: Em que tempo o cristão entra para este
repouso? Quando aceita a Cristo ou apenas após a sua segunda vinda?
O estudo do
contexto, especialmente das palavras resta (katakeipo), hoje
(semeron) e entrar (eiserkomai) nos dão a idéia de
que o repouso está à nossa disposição no presente. Este descanso pode ser
parcialmente desfrutado agora, mediante a lealdade a Cristo, mas a apropriação
plena deste descanso só será possível no futuro, na Nova Terra.
O livro Consultoria Doutrinária da Casa
Publicadora, pág. 161, declara: "Quando o homem angustiado e perdido
abandona seus próprios esforços e lutas, suas próprias obras, sua justiça
própria e seus pecados, e se rende inteiramente a Deus através de Cristo e de
sua justiça imaculada, ele entra no princípio desse repouso, e esse repouso se
completará, quando o homem entrar na Terra renovada por ocasião da segunda
vinda de Cristo".
Uma outra
pergunta que nos ajuda a reflexionar é a seguinte: Como se entra para este
repouso? A resposta se encontra no capítulo 4 verso 3. Este é o repouso no qual
entrarão os crentes e do qual fala Jesus em Mat. 11:28 e 29. Vinde a mim.
Porque nós, os que cremos, entramos neste descanso. Crer é ter fé, é obedecer,
é ter confiança em Deus.
Esta
oportunidade não estará para sempre à nossa disposição, por isso Heb. 3:13, 15,
nos mostra que ela deve ser aproveitada hoje. Este privilégio está à disposição
de todo aquele que aceita a Cristo como seu Salvador pessoal.
Através de
Hebreus 3 e 4 Paulo usa 9 vezes o termo repouso katapausis, como
o alvo a ser atingido, mas em Heb. 4:9 surge uma palavra diferente para repouso
– sabbatismós, que apropriadamente pode ser traduzida por
"descanso sabático".
"A palavra
usada como 'repouso' aqui é diferente da que tem sido empregada em toda a
primeira parte do comentário (katapausis) . . . A palavra significa
'o repouso de um sábado', e fornece um importante elo de ligação no argumento,
indicando o fato de que 'o repouso' que o autor tem em vista é o repouso de
Deus, uma concepção muito mais alta de repouso, do que qualquer espécie de
descanso que Canaã pudesse tipificar de modo adequado. O sábado, que em II
Macabeus 15:1 é chamado o 'dia de repouso', é tipo mais aproximado do céu do
que Canaã." – Farrar, Cambudge, Greek
Testament, Epistle to the Hebrews, pág. 88.
Os estudiosos
são unânimes em declarar que o termo "sabbatismós" foi criado
pelo autor de hebreus, já que em nenhum documento ou inscrição esta palavra foi
encontrada.
Tudo indica que
o apóstolo está unindo a mais profunda experiência de repouso, à qual Deus
convida seu povo, com o símbolo da fé que o próprio Deus instituiu, o sábado.
Em outras palavras, sendo katapausis o símbolo do repouso de Deus
em Cristo, ele nos relembra o repouso do sábado como cessação das nossas obras,
assim como Deus cessou das Suas no sétimo dia da Criação.
Como bem
asseverou Russel Norman Champlin em O
Novo Testamento Interpretado, ao explicar Hebreus 4:9: O autor sagrado
criou um vocábulo, que fala ao mesmo tempo, de "descanso" e de
"sábado". E foi assim que ele obteve dois resultados:
1º) Ele
distinguiu esse descanso restante de qualquer outro descanso.
2º) Ele o
identifica com o próprio descanso de Deus, o qual no quarto versículo, é visto
como algo que ocorreu no sétimo dia, quando toda a obra da criação se completara".
"O repouso
aqui mencionado é o repouso da graça, que se obtém seguindo o preceito:
Trabalhai diligentemente. . . . Aqueles que não estão dispostos a prestar ao
Senhor um fiel, zeloso e amorável serviço não acharão repouso espiritual nesta
vida nem na vida porvir. Apenas de um diligente trabalho provém a paz e o gozo
no Espírito Santo – felicidade sobre a Terra e glória no além". – The SDA Bible Commentary, comentários de
Ellen G. White sobre Heb. 4:9, 11.
O pastor Jerry
N. Page em artigo no Ministry, junho
1978, pág. 13, com muita propriedade assim se expressou sobre o repouso de Heb.
4:9:
"Embora o
sábado seja mencionado apenas incidentemente em um contexto que enfatiza a
disponibilidade do repouso da salvação para o homem, o repouso de Deus, no
sétimo dia da semana da Criação, revela que o sábado é um símbolo, é uma
amostra do repouso da graça. Da mesma forma que o homem comunga com Deus pela
fé e desse modo obtém o repouso, assim aconteceu no domínio do tempo, de modo
que esta comunhão encontra sua suprema expressão na simbólica dádiva divina do
sábado. Quando nosso autor introduz o conceito do repouso divino, não é por
coincidência que ele faz um trocadilho pela introdução da palavra sabbatismós. A relação entre o repouso divino como experiência e
o sábado como seu símbolo é de maneira conveniente explicada por E. J.
Waggoner: 'O repouso no Éden era repouso sabático. O sábado é um pedaço do Éden
que nos resta, até que o Éden seja novamente restaurado; aquele que guarda o
sábado como Deus o fez, como Deus o concedeu para ser guardado, goza do repouso
que o Senhor Jesus Cristo tem no céu. Mas como pode alguém guardá-lo? pela
fé!"1
"A
salvação cristã, após ter sido exposta como a autoridade (de Cristo) sobre o
mundo vindouro, como o livramento do temor da morte, agora é apresentada como a
participação no descanso de Deus. O propósito dos versículos primeiro a décimo
primeiro do quarto capítulo (de Hebreus) consiste em confirmar a esperança
desse descanso, advertindo contra a possibilidade de perdê-lo. O descanso de
Deus foi proclamado aos nossos antepassados; mas não entraram no mesmo devido à
sua incredulidade. Tal descanso também nos foi proclamado. E podemos falhar
como aqueles falharam, e devido á mesma razão".
Neste capítulo
vamos ver de que maneira o sábado tem sido utilizado na Bíblia por Deus, para
dar a seu povo um vislumbre de sua salvação presente e futura.
"Anteriormente
vimos, como a bênção e santificação do sábado são a expressão do desejo divino
de transmitir aos homens vida abundante por meio de sua presença.
"Quando o
pecado arruinou as perspectivas de uma vida feliz na presença de Deus, o sábado
se converteu no símbolo do empenho divino para restabelecer essas relações
rompidas após a queda.
"Havendo
identificado em Heb. 4:4 a promessa que Deus fez de um repouso para seu povo
com o descanso do sábado, o autor se sente livre para substituir no versículo 9
a expressão comum para 'descanso' katapausis, pelo termo mais
específico de 'repouso sabático' – sabbatismós. Que este vocábulo
se refere explicitamente à observância do sétimo dia, está provado pelo
significado que este termo tem nos escritos de Plutarco, Justino Mártir e
Epifânio, entre outros. Ademais, o verbo afim sabbatizo
'repousar' é empregado várias vezes na Septuaginta referindo-se claramente à
observância do sábado (conf. Êxo. 16:30; Lev. 23:32; II Crôn. 36:21). Estes
fatores advogam decisivamente em favor da interpretação de 'sabbatismós – repouso sabático', como uma referência ao descanso
do povo de Deus (4:7) no sétimo dia. De outro lado, aquele 'repouso de Deus'
que os israelitas encontraram ao chegar à terra prometida atualiza-se no
sábado, 'de maneira que resta um repouso sagrado para o povo de Deus' (4:9).
Porém, por outro lado, esse descanso tem adquirido uma nova dimensão com a
vinda de Cristo (4:3, 7).
"Para o
autor de Hebreus, como disse Gerhard
von Rad, a finalidade última da criação e a finalidade última da
redenção se identificam na realização dos objetivos, que Deus havia simbolizado
no descanso do sábado.
"O
conceito de 'repouso sabático menuhah,
como explica Abraham Joshua Heschel, 'significa na mentalidade bíblica
felicidade e tranqüilidade, paz e harmonia.' A paz e o repouso do sábado, como
aspirações políticas, permaneceram geralmente sem ser cumpridas, e se
converteram em símbolos da era messiânica, chamara 'o fim dos tempos ou 'o
mundo por vir.' – Teodoro Friedman
observa que 'duas das três passagens nas quais Isaías menciona o sábado estão
relacionadas com o tempo do fim (Isa. 56:4, 6; 58;13, 14; 66:22, 24) . . . Não
é uma mera coincidência que Isaías empregue as palavras 'alegria' (oneg)
e 'honra' (havod) tanto em suas descrições do sábado como nas do dia da
restauração final (58:13 'considera este dia como dia de alegria. . . e digno
de honra' conf. 66:10). A razão é clara: a alegria e o gozo que caracterizaram
aquele dia estão ao nosso alcance, aqui e agora, no sábado.'
"A
literatura rabínica e apocalíptica tardia proporciona exemplos mais específicos
do sábado concebido como uma antecipação do mundo por vir.
"O tema do
sábado, como sinal de liberação, aparece em diferentes formas no Antigo
Testamento e na literatura judaica posterior. Sua condição de dia de descanso,
faz que o sábado seja a primeira vez um símbolo e um agente de liberação física
e espiritual particularmente eficaz. O fato de que o sábado proporcione
liberdade da opressão do trabalho o converte na mais afetiva expressão da
redenção divina. Daí a razão do sábado aparecer freqüentemente associado com o
tema da salvação."
Extraído do livro Explicação de Textos Difíceis da Bíblia de Pedro Apolinário
Adaptações, Grifos e Didática de
Cirilo Gonçalves da Silva
Mestre em Teologia e Evangelista
Twitter: @prcirilo
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