terça-feira, 10 de julho de 2012

EVANGELISMO - VISÃO CATÓLICA PARA FORMAÇÃO DE EVANGELIZADORES

BOA NOVA  JÁ CHEGOU!

Proposta para formação de evangelizadores


APRESENTAÇÃO

“Anunciar o Evangelho
não é título de glória para mi,;
pelo contrário, é uma necessidade
que me foi imposta,
Ai de mim se eu não anunciar o Evangelho”
(1 Cor 9,16)


O missionário e a missionária não são uma espécie de membros qualificados da Igreja, particularmente treinados, algo como “executivos” de programas elaborados por um alto comando ou por uma elite pensante de cúpula. O que, desde os primórdios da Igreja, caracteriza o missionário e a missionária é sua profunda paixão pelo Cristo vivo, o Senhor Ressuscitado. São os apaixonados pelo Reino que até hoje contagiam homens e mulheres de todas as raças e culturas.

No dia de Pentecostes homens e mulheres “de todas as nações que há debaixo do Céu” (At 2,5), ouvindo a Pedro, “sentiram o coração traspassado”(art. 2,37) e compreenderam “os galileus” como se falassem em seu próprio idioma. Os galileus não deixaram mais de anunciar o que viram e ouviram (cf. At 4,20) e seu testemunho convenceu o povo: “Aderiram ao Senhor fiéis em número cada vez maior”. (At 5,14)  Mas, dar testemunho tem seu preço. Pedro e os outros apóstolos são lançados na cadeia pública, Tiago é decapitado. (At 5,18; 12,2) O sangue derramado de Estêvão que “viu os céus abertos e o Filho do Homem, de pé, à direita de Deus”(At 7,56) é a semente da conversão de Saulo. Paulo, o apóstolo das gentes, nunca mais se desviou do “Caminho” (At 9,2), aceitou todo tipo de sofrimento por causa do nome do Senhor (cf. At 9,16; 2 Co 11,23-28), pois “anunciar o Evangelho “tornou-se a paixão de sua vida. Bastava-lhes a graça divina. (cf. 2 Co 12,9)

O Espírito de Deus suscitou em todos os séculos missionárias e missionários, cristãs e cristãos apaixonados, que consagraram sua vida à causa do Evangelho, percorreram terras, atravessaram mares, na busca incansável da grande meta que “toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para a glória de Deus Pai.” (Fl. 2,11).

Quase dois mil anos passaram. Imbuída do mesmo espírito que fecundou a comunidade primitiva, a Igreja no Brasil lançou o Projeto de Evangelização “Rumo ao Novo Milênio”. A implementação deste Projeto está dando maior coesão à nossa ação evangelizadora e despertando, em muitos cristãos, uma nova paixão pelo anúncio da Boa Nova. Multiplicam-se pelo País afora inúmeras iniciativas no campo missionário: desde o Ministério da Visitação no sudeste às Santas Missões Populares no norte e nordeste, sem contar as mais variadas formas de romarias, encontros, seminários, tríduos, semanas catequéticas e círculos bíblicos. Irmãs e irmãos nossos partem para terras longínquas para “dar de nossa pobreza”. Tudo isto contribui enormemente para recolocar a missão no centro das preocupações da igreja no Brasil. Vivemos um momento de graça.    

É neste contexto que apresentamos, com alegria a esperança, mais  um subsídio do Projeto de Evangelização da Igreja no Brasil “Rumo ao Novo Milênio”.

Desde o grandioso impulso recebido do COMLA 5 e as reflexões que brotaram durante o processo de atualização das Diretrizes da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil, a urgência de um anúncio centrado na pessoa de Jesus impõe-se como um novo espírito eclesial entre nós. Pelo caminho do legalismo e da doutrinação, o Cristo pascal não se dá a conhecer. A graça de todas as graças é encontrar o Cristo Vivo. Precisamos desobstruir o caminho, remover os obstáculos e implodir estruturas obsoletas que impedem a tantos irmãos e irmãs nossos da fazer a experiência do Deus de Jesus Cristo.

O subsídio “Boa Nova já chegou” foi elaborado neste intuito. Ele quer ajudar-nos a fazer emergir, com todo o vigor, a graças recebidas no Batismo. Foi escrito com o coração de quem entende a grandeza da missão. Faz-se necessário usá-lo também com o coração, para superarmos os meros esquemas racionais. Ele não é uma estratégia de evangelização. É a busca sincera de dar pistas à formação de novos evangelizadores e evangelizadoras que possam caminhar, “cheios de coragem” (At. 13,46) e  “no fervor do espírito” (At. 18,25), rumo ao novo milênio que se aproxima.


BOA NOVA JÁ CHEGOU!

INTRODUÇÃO

            A Igreja nasce da necessidade de evangelizar. Ela é missionária desde o seu primeiro dia. A missão não acontece no vazio, ela se dirige a situações e pessoas muito concretas. Assim, em cada etapa da história, a missão da Igreja terá características diferentes. Levará em conta os problemas que tem pela frente e os seres humanos a quem devemos comunicar o projeto amoroso de Deus.

No limiar do terceiro milênio, somos chamados a olhar as necessidades deste nosso tempo. Refletindo e entendendo melhor o que vemos, poderemos dar uma resposta mais adequada e solidária, que seja um sinal verdadeiro de salvação para hoje.

O Projeto Rumo ao Novo Milênio convoca os agentes da Dimensão Missionária a uma reflexão sistemática para dar mais segurança nestes três anos de preparação para o ano 2000.  Como se trata de um projeto integrado de evangelização, nada será feito isoladamente. A missão andará junto com a liturgia, com a ação social, com as propostas de diálogo, favorecendo a Pastoral de Conjunto.

Propomos um estudo em três etapas, ao longo dos próximos anos:

1997- A formação de evangelizadores

1998-  As missões populares

1999-  A missão além fronteiras (ad gentes).

           Não se pretende quebrar a continuidade com o trabalho já feito. Em 97 vamos nos basear no espírito do evangelho de Marcos para tratar do tema escolhido para o mês missionário: Ide e fazei discípulos. Esse tema dá seguimento à Campanha Missionária de 96: Somos missão.

Para o tema de 97 produzimos este Caderno. A intenção é dar subsídio para um curso de formação de evangelizadores. Por isso, embora tenha em vista o Mês Missionário, foi pensado para ultrapassar esse período, podendo ser usado durante todo o ano, ou na época que parecer mais oportuna à comunidade. São quatro capítulos, que abordam:

n a missão de evangelizar

n o conteúdo da evangelização

n a metodologia

n o destinatário

n celebração do envio.

Sugestões para os próximos trabalhos do Projeto Rumo ao Novo Milênio na área missionária e relatos de experiências para animar outros evangelizadores são bem-vindos. Se quiser escreva para a Secretaria executiva do Projeto ou para a Dimensão Missionária: CNBB- Setor de Embaixadas Sul- Quadra 801- Conjunto B- Brasília - DF- CEP 70401-900. Ou ainda para as Pontifícias Obras Missionárias.

COMO USAR ESTE MATERIAL

Cada um dos quatro capítulos pode ser tema de dia inteiro de estudo ou retiro. Não dispondo de tanto tempo, cada capítulo pode ser subdividido para uso em encontros menores. Presta-se também como roteiro de um curso de formação de evangelizadores. A equipe coordenadora decidirá sobre a extensão do conteúdo de cada encontro, aproveitando a divisão em blocos que já vem feita em cada capítulo. O uso vai variar de acordo com as necessidades e características de cada comunidade: servirá para cursos de duração e periodicidade variadas: para encontros, palestras, jornadas de formação, debates, programas de rádio, base para artigos de jornais paroquiais e diocesanos. Outro sistema que pode funcionar é o estudo pessoal de cada capítulo em particular, marcando-se depois um dia de encontro de pequenos grupos para partilha e aprofundamento daquilo que cada um já refletiu em casa.

Selecionamos cantos missionários, sugerimos dinâmicas ao longo do texto. Esses recursos podem ser usados de outras formas, a critério de quem estiver desenvolvendo o trabalho. A criatividade de cada um indicará caminhos.

ALGUMAS DINÂMICAS QUE PODEM SER USADAS NOS ENCONTROS:

Para integração pessoal, no início: Confeccionar vários cartões com o texto de 1 Cor 9,16. Cada cartão será cortado de forma diferente, em dois pedaços, que serão distribuídos aos participantes. Cada um deve procurar quem está com o pedaço que completa o seu cartão. Tendo encontrado, os dois conversarão sobre o versículo bíblico: como entendem o que está escrito? Que sentimentos a afirmação de Paulo lhes desperta?

Para aprofundamento do tema:  Pesquisar na Bíblia diversas situações de chamado, refletir sobre elas e apresentá-las em plenário de forma criativa, através de dramatização (reproduzindo a cena bíblica ou adaptando-a aos dias de hoje), em forma de notícia de jornal, entrevista, cartaz, música, mímica etc.

Alguns textos que podem ser usados nessa pesquisa: Ex 3, 1-10; At 9,1-18; Mt 4,18-22; Jz 6,11-23; Is 6, 1-8; Gn 12, 1-7; 1 Sm 3,1-11.

Para refletir e dar-se a conhecer:  Distribuir entre os participantes tiras para serem penduradas no pescoço ou crachás bem grandes. Em cada tira ou crachá a pessoa escreve o nome de uma personalidade bíblica ou de um missionário conhecido de qualquer Igreja cristã.  O nome deverá ser  escolhido pela afinidade ou admiração que a pessoa sinta por esse (a) companheiro (a) de missão. Assim identificadas, as pessoas passeiam pela sala, se encontram e conversam sobre o nome escolhido. Será interessante, ao final, colocar todos os nomes num mural ou outro lugar bem visível, para se ter idéia do tipo de missionário que cada um traz no coração.

Para discutir dificuldades e soluções: Traçar no chão um caminho.  Nesse caminho colocar círculos de cartolina com palavras que indiquem algumas dificuldades que costumam aparecer no caminho do(a) missionário(a). As pessoas passeiam pelo caminho e se agrupam  ao redor de um círculo, à sua escolha. Conversam sobre aquela dificuldade e as maneiras de vencê-la. Depois, viram o círculo do avesso e escrevem ali a solução que recomendam. Ficará então formado um novo caminho, positivo, que todos deverão percorrer cantando um canto missionário.

Uma sugestão para a recapitulação do que foi estudado num curso ao final de cada capítulo: Propor que as pessoas façam um resumo do que foi mais importante, usando bonecos, tipo fantoche de mão. Os bonecos farão o comentário do que foi aprendido, em forma de conversa. Aí as pessoas poderão se expressar com liberdade e bom humor, mostrar o que entenderam, as dúvidas, o que aceitaram bem, o que estranharam... Então, se houver necessidade, a equipe coordenadora pode esclarecer algum ponto. Será sempre muito útil para se perceber como vai sendo assimilado o assunto, sem ser preciso fazer uma avaliação formal.  Pode ser até que o grupo decida usar os bonecos em todos os encontros para recapitular o que foi refletido na ocasião anterior. 

Observação: Outras dinâmicas serão sugeridas ao longo do texto para ajudar na interiorização dos tópicos que vão sendo apresentados.


Capítulo 1

CHAMADOS A EVANGELIZAR

1. Uma experiência pessoal

O mundo moderno deu muito destaque ao lado racional do ser humano. Mas não conseguiu responder por esse caminho a todas as nossas necessidades. Apesar dos inegáveis progressos, a modernidade também tem lá seus problemas e muitos anseios humanos ficaram sem resposta. A pessoa humana não é só racional: ela tem emoções, sentimentos, afetos, intuições, experiências espirituais, gostos artísticos - tudo isso faz parte do mistério humano e necessita de atendimento.  Nos dias de hoje, um sentimento de vazio em relação a esses aspectos está levando muita gente a buscar sua experiência do sagrado por conta própria, muitas vezes longe das Igrejas. Deseja-se algo que traga alívio, satisfação interior ,que faça a pessoa se sentir em contato com o mundo divino.

Nessa situação, os cristãos se encontram diante de um desafio profundo e vital para a eficácia da sua missão na história: possibilitar aos homens e mulheres a experiência pessoal do Deus de Jesus Cristo. Em outras palavras, anunciar Jesus Cristo, não como uma doutrina, mas como uma pessoa, através da qual o mistério de Deus se torna próximo de nós.

Fazer a experiência do Deus de Jesus Cristo é sentir-se chamado, amado e escolhido por Ele. Quem sente esse apelo irá anunciá-lo na situação concreta do dia-a-dia. Irá apresentá-lo como fonte inesgotável de libertação de tudo o que prende e escraviza o ser humano e impede sua realização. A experiência do chamado de Deus se manifesta e se aprofunda na própria ação evangelizadora. Dizendo de outra maneira: a pessoa evangeliza porque foi chamada e, ao evangelizar, vai descobrindo, cada vez melhor, o significado dessa tarefa para a qual Deus a escolheu.

De fato, não há experiência do chamado sem missão. Ninguém é chamado à toa, só pelo gosto de ter uma experiência religiosa. As pessoas são chamadas para fazer alguma coisa. Essa “alguma coisa” tem a ver com a situação e as necessidades que os filhos de Deus estiverem vivenciando. Assim aconteceu com Abraão, Moisés, Josué, Samuel, os profetas, Maria e outras mulheres, os apóstolos, Paulo.

Quando a Bíblia conta esses chamados, podemos perceber que o relato tem geralmente 5 elementos:

1)      uma introdução, que explica as circunstâncias em que se dá o chamado de Deus;

2)      uma manifestação de Deus (a “teofania”) que pode ser apresentada como um anjo, uma voz, um sinal de fogo, uma visão, um acontecimento misterioso;

3)      uma missão ou tarefa confiada à pessoa que foi chamada;

4)      um sinal de credibilidade ou a prova, para o povo ou para o escolhido, de que seu chamado vem de Deus;

5)      a conclusão, na qual geralmente se confirma a missão e se declara que ela se realizará com a ajuda de Deus.

É evidente, neste esquema, que a missão está no centro de tudo. A pessoa faz uma experiência de Deus, mesmo que seja através de um sinal: uma voz para Abraão, a sarça ardente para Moisés, o anjo para Maria, uma luz e uma voz para Paulo. Recebe, então, uma missão concreta em nome desse Deus que lhe demonstrou seu poder. Essa missão é sempre em favor do povo, dos amados e preferidos de Deus.

Um exercício para fazer em grupo:
Escolher um desses relatos de chamado (pode ser um para cada grupo):
- chamado de Gedeão em Jz 6,11-24
- chamado de Moisés em Ex 3,1-15
- chamado de Maria em Lc 1,26-38.
Ler o relato e identificar os 5 elementos citados acima.
Quem quiser pode contar para os (as) outros (as) como sentiu o chamado de Deus na sua vida. Os mensageiros de Deus podem chegar a nós em várias formas.
Em nossa vida de hoje, como costumam ser os chamados de Deus?

2. Deus chega para mudar a vida

Fazer a experiência do Deus de Jesus Cristo é aceitar a mudança de rumo na própria vida. Deus mexe com os nossos projetos. Então deixamos de ser o centro de tudo. Ficamos a serviço daquele que nos chama a permanecer com Ele.  O chamado nos leva a tarefas que antes não éramos capazes de imaginar.

Por isso,  os que são chamados resistem muitas vezes à vontade de Deus. Poucos se oferecem prontamente como Isaías, que diz: “Eis-me aqui! Envia-me!” (Is 6,8). Outros aceitam porque não sabem resistir. Como diz francamente o camponês Amós, o grande profeta que combateu a injustiça social: “O leão rugiu: quem não terá medo? O Senhor  Deus falou: quem não profetizará?” (Am 3, 8). Mas muitos tentam encontrar uma desculpa antes de tomar coragem para se entregar ao chamado. Moisés não aceita assim sem mais nem menos a missão de ir negociar a saída do povo do Egito. Ele procura primeiro um jeito de escapar e diz: “Quem sou eu para ir a Faraó e fazer sair do Egito os filhos de Israel?” (Ex 3,11). “Eu não sou um homem, de falar, tenho a boca e a língua pesadas... Envia o intermediário que quiseres” (Ex 4,10.13). Jeremias é outro que procura argumentar: “Ah! Senhor Deus, eu não sei falar, porque sou ainda uma criança” (Jr 1,7).

Outros aceitam o convite para a missão, mas revelam que não tinham plena consciência da tarefa assumida. A mudança do projeto pessoal não se deu como num passe de mágica. Foi acontecendo, pouco a pouco. Mas, sem sombras de dúvidas, aconteceu. Basta constatar o “antes” e  o  “depois” na vida dos discípulos (Mc 3, 13-14; Lc 5,10), na vida de Paulo (Gl 1,15-16), de Maria Madalena (Mc 16,14-20; Jo 20, 17), dos discípulos de Emaús (Lc 24,13ss). 

Mas, no fim, Deus consegue o que quer e faz desses homens medrosos líderes cheios de coragem para enfrentar qualquer perigo, forte como “uma cidade fortificada, uma coluna de ferro, uma muralha de bronze” (Jr 1, 18). A missão será uma tarefa exigente. Jeremias, por exemplo, enfrentou situações tão difíceis que chegou a lamentar se ter deixado “seduzir” por Deus, “fogo devorador” no seu coração (Jr 20,7.9); queixa-se com a intimidade de quem experimenta constantemente a presença de Deus e até, num momento especialmente desafiador, amaldiçoa o dia em que nasceu (20,14). Mas nunca voltou atrás. A tarefa, mesmo pesada, era fascinante e dava um sentido empolgante a sua vida.

Momento de partilha (cochicho a dois):
Já mudamos algum plano pessoal por causa das exigências do serviço de Deus? Valeu a pena? Por quê?


3. A experiência de Deus se faz passo a passo

A experiência de Deus não é um momento de particular iluminação que resolve e esclarece tudo de uma só vez. Ela vai acontecendo através dos muitos fatos da vida. É um caminho onde a gente avança passo a passo, fazendo sempre novas descobertas e indo mais fundo nas conseqüências da própria vocação. Mesmo que aconteça na vida de alguém um momento muito especial, decisivo mesmo, ele não é o fim da linha, é ponto de partida para um caminho mais longo e contínuo.

Neste sentido, não se deve pensar o chamado de Deus como um milagre, algo maravilhoso, que dê uma segurança indiscutível e definitiva. A pessoa chamada por Deus pode até fazer uma experiência extraordinária no início; mas é só permanecendo fiel a este primeiro chamado que verá, aos poucos, novos sinais que confirmam sua missão. Esses novos sinais aparecem no próprio empenho ao serviço de Deus e do povo.

O  chamado continua a se fazer ouvir por meio da nossa sensibilidade para as necessidades dos irmãos. Vem através de pessoas, homens e mulheres, jovens e velhos, todos sacramentos vivos do Deus que chama. Na fidelidade à missão cresce a alegria pelo caminho que se percorre.

Cada um é chamado lá mesmo na realidade em que se encontra, mesmo que por isso sinta necessidade de partir para outro lugar.. “Deus nos encontrou e chamou ali onde estávamos, convidando-nos à fé e ao seguimento do Cristo. Por isso o chamado é oferecido a cada homem ali onde ele se encontra, na própria situação”.

O Senhor chama aquele(a) que, de certa forma, já está um tanto inquieto(a) com o mal que atinge os filhos de Deus. É o que vemos na Bíblia.  Moisés, antes do encontro com a sarça ardente, já tinha dado sinais de estar sensível à situação em que seu povo vivia; já o vemos antes, intervindo em favor de um irmão oprimido (Ex 2,12) e defendendo as filhas de Jetro (Ex 2,17). Gedeão é angustiado pelas desgraças do seu povo, vítima dos madianitas (Jz 6, 1-13). Os grandes profetas estão chocados pela corrupção, a injustiça e a idolatria... (cf. Amós, Oséias, Isaías). Nos dias de hoje, muita gente muda de projeto de vida, atendendo ao apelo de Deus na consciência, depois de se defrontar com a miséria e a injustiça feita aos pobres.

Tarefa para os grupos:
Consultar os jornais da semana. Analisar as notícias para descobrir que situações, hoje, estariam exigindo uma ação dos cristãos. Que tipos de missão podem brotar dessa realidade?

4. A vocação nos faz crescer e nos aproxima dos outros

A vocação acontece na fidelidade ao chamado no cotidiano da vida e um dos seus efeitos é o crescimento da pessoa. Ela vai crescendo na fé, vai firmando sua personalidade e assumindo escolhas decisivas e corajosas. Nesse processo, aquele(a) que é chamado(a) por Deus cresce também no relacionamento com os irmãos e se torna intermediário de Deus para chamar outras pessoas.

Os exemplos na Bíblia são numerosos. Basta pensar em Moisés, que precisa de seu irmão Aarão (Ex 4, 14-31) e depois de setenta “presbíteros” (Nm 11,16) e de mais colaboradores. Vale a pena conferir o sábio conselho que Moisés recebe de seu sogro, Jetro (está em Ex 18, 13 ss.). Elias transmite sua missão a Eliseu (2Rs 2,1-15). João Batista encaminha seus discípulos a Jesus. Os apóstolos escolhem Matias e, depois, os Sete (cf. At 1 e 6). Deus se serve de Ananias e, depois, de Barnabé para chamar Paulo (cf. At 9,10 ss.; At 11,25-26).

Um exemplo particularmente sugestivo está no chamado dos primeiros apóstolos por parte de Jesus. Segundo Mateus, Jesus chama duplas de irmãos (Pedro e André, Tiago e João - cf. Mt 4, 18-22), assim como depois Jesus enviará seus apóstolos (“missionários”) dois a dois.

O evangelista João descreve com mais profundidade os fatos. Os dois primeiros discípulos são enviados a Jesus por João Batista. Jesus os acolhe, mas não os convida a escutar uma doutrinação; em vez disso, chama-os a partilhar sua vida: “Vinde e vede”. Eles “permaneceram” com Jesus. A palavra permanecer, para João, indica uma situação de profunda intimidade com Jesus, semelhante àquela de Jesus com o Pai!. É o que se vê na capítulo 15 do seu evangelho, com a alegoria da videira.

Um dos dois discípulos enviados por João era André, que comunicou sua descoberta ao irmão, Simão Pedro, e o atraiu a Jesus. Este encontra e chama Filipe, que convida Natanael, que experimenta logo o poder de Jesus. Essa cadeia ininterrupta do discipulado chega até nós hoje (cf. Jo 1,35-51).

A missão cristã hoje é possibilitar aos homens e mulheres, na sua situação concreta, a  resposta pessoal ao chamado de Deus. A resposta se dá através do testemunho, do serviço e da capacidade de escuta e do diálogo franco e transparente. Nesse aprendizado, o fundamental é aprender a estar com Jesus. Ele nos chama para permanecer com Ele. Por outro lado, estar com Jesus é também o dinamismo fundamental de toda a vida apostólica. Anunciamos o que experimentamos: “O que ouvimos, o que vimos com nossos olhos, o que contemplamos, o que nossas mãos apalparam da Palavra da vida(...), nós o anunciamos a vós para que estejais em comunhão conosco” (cf. 1Jo 1,1-3).

Uma pausa para lembranças caras ao nosso coração:
Nós também fazemos parte de uma história humana e de fé que chega a nós através de outras pessoas. Que pessoas nos evangelizaram e fazem parte da história do nosso chamado pessoal? Que outras pessoas estamos aprendendo a amar no nosso trabalho de evangelização? Esses relacionamentos nos fazem bem? Por quê?
Depois de partilhar em grupo as recordações e respostas provocadas por esse questionamento, cada um pode escrever em pequenos cartões o nome de pessoas que estão no seu coração.
Será colocado no chão um pequeno cartaz com o seguinte poema de D. Pedro Casaldáliga:
“Ao final do caminho me dirão:
E tu, viveste? Amaste?
E eu, sem dizer nada,
abrirei o coração cheio de nomes”.
Ao redor do cartaz serão colocados os nomes que cada um recordou, para se fazer um momento de contemplação e oração de ação de graças.

5. O caminho de Deus no meio do mundo

Houve época em que se falava muito num Deus ameaçador, sempre pronto a castigar quem não cumprisse direitinho os regulamentos. Pensava-se em Deus como um fiscal que vigiava o cumprimento da lei. Nessa situação, ficava difícil descobrir o Deus que nos dá prazer, que gosta da pessoa humana, que quer a felicidade do homem e da mulher. Mas é assim o Deus que em Jesus aceitou encarnar-se na história humana. Ele veio fazer caminho com os despossuídos deste mundo para dizer que todos têm direito a felicidade.

Precisamos resgatar o sentido alegre da experiência do Deus de Jesus Cristo. A salvação não é um sistema de trocas, na ótica do toma-lá-dá-cá. Deus não pode ser visto como um implacável empresário, sempre disposto a cobrar o que estivermos devendo, pesando méritos e pecados numa balança bem exata. Em outras palavras, uma verdadeira experiência do Deus de Jesus Cristo só se dá se aceitarmos “que todos se tornam justos gratuitamente pela graça de Deus, mediante a libertação realizada por meio de Jesus Cristo” (Rm 3,24).

Pelo caminho do legalismo não se chega lá. Cristo não morreu por nós porque merecêssemos; ele foi até o fim na sua doação porque nos ama. Experenciamos a alegria de sermos salvos se colocamos nossas motivações onde realmente elas devem estar: na graça maior da fé.    “Dificilmente se encontra alguém disposto a morrer em “Então, onde está o motivo de se gloriar? Foi eliminado. Por qual lei? Pela lei das obras? Não, pela lei da fé. Pois, esta é a nossa tese: o homem se torna Diz São Paulo:

“Dificilmente se encontra alguém disposto a  morrer em favor de um justo; talvez haja alguém que tenha a coragem de morrer por um homem de bem. Mas Deus demonstra seu amor para conosco porque Cristo morreu por nós quando ainda éramos pecadores”(Rm 5,7-8).

Somos todos devedores, necessitados da misericórdia de Deus e convidados a usar de misericórdia com os outros. Precisamos desobstruir o caminho da experiência do Deus de Jesus Cristo para que outros tantos nossos irmãos e irmãs tenham a possibilidade de fazê-la. Para tanto é preciso evitar caricaturas de Deus e apresentar uma imagem mais fiel do misericordioso Pai de todos nós.

Para os trabalhos em grupo:
Criar e dramatizar pequenas cenas onde apareçam pessoas com diferentes imagens de Deus:
Sugestões: - o Deus pronto-socorro
                  - o Deus comerciante
                  - o Deus fiscal, cobrador
                  - o Deus mágico
                  - o Deus amigo e companheiro
                  - o Deus defensor dos pobres e injustiçados.

6. A comunidade como lugar de experiência de Deus

Na América Latina, a experiência de Deus é, para muitos cristãos, uma profunda experiência de solidariedade com a causa dos excluídos. Essa experiência tem sido vivida em comunidade, como uma grande aventura de descoberta da comunhão que deve unir os filhos de Deus. A Trindade, no seu relacionamento perfeito, é vista como a imagem daquilo que somos chamados a realizar no encontro com os irmãos e irmãs. Sabemos que somos feitos à imagem e semelhança de Deus, e Deus é a Trindade. Muita gente está descobrindo que isso é um convite para vivermos entre nós esse amor da Trindade, já que somos criados à sua semelhança. Essas pessoas encontram Deus lá mesmo onde se unem os irmãos em comunidade. E, nesses casos, a solidariedade tem sido uma excelente porta de entrada. O amor de Deus se torna concreto na experiência de servir aos que sofrem, aos injustiçados. Então podem dizer como os cristãos da comunidade de João:

“Isso que vimos e ouvimos, nós agora o anunciamos a vocês, para que vocês estejam em comunhão conosco. E a nossa comunhão é com o Pai e com o seu Filho Jesus Cristo” (1Jo 1,3).

Nem mesmo os apelos da nossa sociedade para desenvolver a individualidade de cada um conseguiram frear o crescimento da busca da experiência comunitária de Deus. A proliferação das pequenas comunidades cristãs, católicas ou não, nos dão provas da eficácia do companheirismo quando se busca vivenciar as verdades fundamentais da fé.

 7. A comunidade na Bíblia

No povo de Israel do Antigo Testamento a comunidade era a base da convivência social. A comunidade era a garantia da defesa da vida e dos direitos de cada um; era também o lugar da experiência de Deus.

Com o correr do tempo, novos sistemas de governo foram minando a solidariedade comunitária e criando mentalidade individualista. É isso que vemos no tempo de Jesus: gente excluída, patrões que exploram seus empregados, o povo desamparado. No seu ensinamento Jesus insiste muito no acolhimento a ser dado aos pequenos (confira em Mc 9,37; Mt 10,42; 18,10; 25,40). Não haveria necessidade de falar nisso se não houvesse muita gente pequena sem acolhimento, não é mesmo?

Jesus forma comunidade com os seus. Os que o seguem são convidados a abandonar família, terra, casa, por amor ao evangelho. Com isso Jesus quer restabelecer o projeto de solidariedade do Reino. As pessoas devem sair do círculo individualista de seus pequenos relacionamentos e abrir-se de novo para a grande família humana, para a COMUNIDADE.  Por esse caminho seria possível realizar o objetivo da Lei que dizia: “Entre vocês não haverá nenhum pobre” (Dt 15,4). Numa verdadeira comunidade, todos se importam com todos e se socorrem mutuamente. Por isso os Atos dos Apóstolos registram: Os cristãos tinham tudo em comum e não havia necessitados entre eles (confira em At 2,4-45 e At 4,32-35).

Aos que conseguem ultrapassar o círculo estreito da atenção exclusiva aos parentes mais próximos Jesus promete: reencontrarão tudo dentro da grande família da comunidade, terão cem vezes mais irmãos, pai , mãe, terra!...

A comunidade, como qualquer família, pode ter conflitos. Sabendo lidar com eles, podem ser oportunidades de crescimento. A comunidade é o lugar da formação permanente, onde nos educamos na fé e precisamos desenvolver atitudes de acolhida, escuta, partilha...

Construindo o “retrato” da comunidade:
Estenda-se no chão (ou pendure-se como um varal) uma corda comprida. Na ponta inicial coloca-se o ano da criação da comunidade (ou da paróquia, ou do grupo de reflexão, ou da capela , ou da CEB, conforme a situação dos que estiverem reunidos). Em volta da corda as pessoas vão lembrando acontecimentos significativos daquela comunidade: fatos marcantes, chegada e partida de pessoas, trabalhos importantes realizados, mudanças de rumo na pastoral etc. Cada fato lembrado deve ser escrito (ou desenhado simbolicamente) num cartão e deve ser colocado na corda, na ordem em que os fatos aconteceram para ir dando uma imagem da história do grupo até o dia de hoje.
Ao final do trabalho, faz-se uma oração em memória das pessoas que se foram, em ação de graças pelas vitórias conseguidas e dificuldades vencidas, ou de perdão e súplica pelos problemas que permanecem.

8. A espiritualidade do evangelizador

Podemos agora resumir o que vimos até aqui em poucos traços fundamentais, que marcam a espiritualidade do evangelizador.

·         O primeiro traço desta espiritualidade é nunca esquecer que somos chamados, chamados para a missão. Quem nos chamou e enviou foi o próprio Deus: para o serviço do Reino. Recebemos este chamado através de mensageiros de Deus, como vimos antes, e o respondemos em situações concretas na gratuidade e na disponibilidade - pelo testemunho, pela escuta aos irmãos, pela participação enriquecedora  no diálogo transparente , pelo serviço, pelo anúncio de Jesus Cristo. A espiritualidade do evangelizador repete a experiência de despojamento de João Batista: “É preciso que Ele cresça e eu diminua” (Jo 3,30).

·         O evangelizador vive a intimidade com Deus. Entrega-se a Deus em confiança porque sem a confiança não há amor, sem a confiança não há fé, sem a confiança não há esperança. Ninguém conhece realmente a Deus sem confiar no seu amor que é capaz de tudo porque quer nos salvar. Mas não será verdadeira nossa confiança em Deus se não acreditamos em tudo de bom que Ele coloca em suas criaturas, as pessoas humanas, criadas à sua imagem e semelhança. Confiar em Deus tem como conseqüência ver com bons olhos aqueles (as) que ele criou com amor.

·         O evangelizador é chamado a fazer a união entre a ação e a contemplação, entre o encontro com Deus e o encontro com o irmão. A contemplação autêntica não separa o Absoluto de Deus dos apelos dos irmãos, especialmente os mais pobres. Nessa união se formam verdadeiros profetas do Reino, capazes de orar ao mesmo tempo com reverência pelo Senhor e muita ternura pelos irmãos e irmãs. Jesus deu o exemplo, fazendo a síntese entre o contemplativo e o compromisso, de modo especial, no texto do juízo final: acolher a Deus é se solidarizar com o pequeno, com o excluído, o faminto, o maltrapilho, o doente (Mt 25,40). Quem sabe ver o necessitado com os olhos de Jesus está sempre contemplando Deus.

·      O outro traço importante da espiritualidade do evangelizador é a alegria com que presta seu serviço. O Novo Testamento está cheio dessa palavra, relacionada com a vida cristã e particularmente com a missão do evangelizador. Jesus convoca os seus para a missão “para que seja completa” a alegria de seus discípulos (Jo 16,20; 17,13). Descobrir o Reino de Deus é a grande alegria (Mt 13, 44). A vida do apóstolo é alegria (Fl 1,4). A vida cristã é permanente motivo de alegria (Fl 4,4). O serviço deve ser prestado com alegria (Rm 12,6-8; 2Cor 9,7).

·      A perseverança confiante é outra marca distintiva do evangelizador. Poderíamos repetir como disse certo teólogo latino-americano: “bem-aventuradas e bem-aventurados os teimosos, porque deles é o Reino de Deus”.

·      Um bom missionário, uma boa missionária, em qualquer tipo de missão, tem que ser um pouco poeta e um pouco profeta, tem que gostar das flores, da música, da festa. Precisa temperar a justiça com a ternura, a beleza, o sentimento. Não se pode viver a missão de cara fechada, como se fosse uma guerra, sem espaço  para a doçura, as amenidades da vida.

Observação: Para maiores esclarecimentos pode ser consultado:

-          Carlo Maria MARTINI - Alberto VANHOYE, Bíblia e Vocação. Ed. Loyola, S.Paulo, 1987, 216 p. (sobretudo a parte I, p.11-91).

-          CNBB, Espiritualidade sem medo. Ed. Loyola, São Paulo, 1996.

Uma dinâmica para o grupo: O retrato do missionário:
Um dos presentes se deita numa folha grande de papel (pode ser de jornal) e alguém faz o contorno de seu corpo com giz ou pincel atômico. Fica desenhada a silhueta de um boneco, que será o nosso “missionário”. A partir do que foi refletido no grupo, cada pessoa vai escrevendo dentro do boneco as qualidades que o missionário precisa ter. 

 Para orar e discernir nosso caminho missionário:

Ler , meditar e transformar em oração:

- Is 55,1-6

- Mc 9,33-37

DECÁLOGO DO MISSIONÁRIO

O missionário, mensageiro da paz, é enviado por Deus para levar o Evangelho a todos os povos. Sua vida é testemunho do amor de Deus para com todos os homens e as mulheres. Deve ter as seguintes qualidades para que sua mensagem tenha credibilidade entre as pessoas.
1. Escutar
O missionário (a) é alguém com capacidade de escuta e diálogo, que sabe adaptar-se a outras culturas descobrindo seus valores sem sentir-se superior a ninguém. Tem convicções profundas, porém, nem por isso considera-se o único possuidor da verdade.
2. Acolher
O missionário considera a pessoa o centro de tudo, e aprende a valorizar a hospitalidade e a acolhida dos pobres. Por isso, gosta da presença do povo e ser rodeado por ele.

3. Solidarizar
O missionário não vive à margem dos problemas do seu povo nem cai em atitudes paternalistas. Leva na sua formação uma grande sensibilidade humana e social com um forte sentido da justiça e da verdade. Ele sabe que os pobres são os preferidos de Jesus, e a eles se entrega sem condições.
4. Resistir
Consciente da situação em que vive, o missionário sabe “agüentar” os momentos difíceis, sem desistir. Faz-se presente quando precisam dele, porque sabe que a sua missão não tem horários.
5. Esperar
A paciência é uma das virtudes mais missionárias. Caminhar com um povo e colocar-se no ritmo de sua história, implica saber esperar com paciência o que vai acontecer.
6. Crer no Deus da vida
A fé em Deus e o amor profundo e pessoal a Cristo sustentam o missionário. Se não houver fé, não há missão. Da fé nasce sua paixão pelo anúncio do Evangelho.
7. Amar sem condições
Encontramos Deus e Cristo nos pobres, nos que sofrem e morrem, já que eles são os preferidos de Deus. Com eles o missionário percorre os caminhos do Evangelho, amando, como Jesus, até o fim.
8. Orar sem desanimar
A oração alimenta cada dia a fé do missionário. Na oração e na escuta da palavra de Deus, o missionário aprende a construir o Reino, com perseverança e coragem.
9. Assumir a cruz
Missão, cruz e missionário formam um trio inseparável, como a vida de Jesus. Não há outro caminho possível para percorrer. Dizia Daniel Comboni que “a missão nasce e cresce aos pés da cruz”. A consistência e a paciência são frutos de uma cruz aceita com alegria.
10. Ser coerente
A credibilidade do missionário apoia-se no testemunho de vida, até as últimas conseqüências. Necessita de muita paciência consigo mesmo para começar de novo cada dia sem desanimar frente aos fracassos.

Algumas maneiras de usar o decálogo:
·      Sortear os verbos entre os participantes para serem ilustrados através de mímica.
·      Fazer uma sessão plenária para votar o decálogo, do mesmo jeito como se aprovaria uma lei, com possibilidade de propor emendas, suprimir,  acrescentar ou substituir frases.
·      Ilustrar cada item com uma conversa de dois personagens em forma de história em quadrinho. Quem não gosta de desenhar pode recortar figuras para representar as pessoas que conversam.


Capítulo 2 

O QUE ANUNCIAR? PARA QUÊ?

1. Enviados para fazer irmãos e formar comunidade

Para que Jesus envia seus apóstolos? O que Deus quer anunciar hoje através dos discípulos de Jesus?

Estamos acostumados pensar a missão do evangelizador a partir da  solene conclusão do primeiro Evangelho, que por muito tempo foi o mais lido na Igreja (Mt 28, 16-20). De fato, a cena nos impressiona.  Jesus está para subir ao céu. Declara-se Senhor de tudo, pois “todo poder me foi dado sobre o céu e sobre a terra”. E confia aos seus uma tarefa:  “Ide e ensinai”. Em traduções mais recentes aparece: “Ide e fazei discípulos”.  Ora, se Jesus diz a seus discípulos: “fazei discípulos”, isto significa que Jesus os convida a formar gente igual a eles, grupos de irmãos, iguais. É fácil verificar em muitos lugares do evangelho de Mateus que Jesus, na sua comunidade, quer apenas “irmãos” (cf. Mt 12,48-50; 23,8). Jesus até proíbe chamar alguém de “mestre” na comunidade eclesial (cf. Mt 23,8). Logo, a preocupação de Jesus não está, antes de tudo, no ensinar. Os evangelizadores não são mestres, não devem ceder à tentação de se sentirem superiores aos outros. Os evangelizadores são testemunhas daquilo que viram, encontraram, experimentaram. E se dispõem a partilhar fraternalmente sua experiência de fé e de conhecimento da vontade de Deus. O grande tesouro que eles têm a partilhar é o mesmo que receberam gratuitamente de Jesus: a revelação do amor bondoso do Pai para com todos os seus filhos.

Disseram os bispos do Brasil em documento recente (Diretrizes gerais para a ação evangelizadora): “Não basta falar de Deus. É necessário testemunhá-lo por uma vida de santidade encarnada em nossos dias. O testemunho de vida é a primeira e insubstituível forma de missão. O homem contemporâneo escuta muito mais as testemunhas que os mestres. E se escuta os mestres, é porque são testemunhas. Em nosso tempo, muitas são as testemunhas coerentes e perseverantes na fé e no amor a Cristo até mesmo com o sacrifício da própria vida” (DGAE, 14).

Quem é testemunha vive uma experiência pessoal e a comunica aos demais. Pode dizer como aquela dos discípulos de Emaús: “Não estava nosso coração a arder ... quando nos explicava as Escrituras...   Levantando-se retornaram...” (Lc 24, 32-35). O testemunho será o pão cotidiano também do Apóstolo Paulo que evangelizará a partir de sua experiência com o Ressuscitado. Na 2ª Carta aos Coríntios dirá: “Acreditei e por isso falei...” (2Cor 4,13).

O testemunho de vida dá força ao anúncio:  as pessoas acreditam porque vêem sinais de transformação na vida de quem anuncia.

O testemunho não é só individual. É necessário que a Igreja, como comunidade dos que crêem, seja também ,por seu jeito de viver, testemunha de Cristo. Quem via as primeiras comunidades dizia: “Vejam como eles se amam” (At 4,32-34). Esse clima de comunhão e afeto fazia muita gente se juntar ao grupo.

O que será que se espera de quem é Igreja?  Nosso testemunho primeiro e mais importante é a caridade. É na caridade que seremos capazes de acolher, partilhar a nossa fé com os outros. Gestos de generosidade falam mais que muitas palavras. A Eucaristia, centro da nossa vida de Igreja, pode parecer sem sentido para muita gente que nos observa se não for acompanhada por ações concretas de solidariedade, partilha, busca da justiça. É na vida da Igreja local que devem ficar visíveis os dons colocados a serviço dos irmãos.

As comunidades cristãs vivem inseridas na vida e nas culturas dos diferentes povos. São assim sinais e testemunhas do Evangelho nas culturas.

Nossa preocupação não deve ser o avanço de outros grupos religiosos. Temos é que cuidar do nosso jeito de ser cristãos, de ser  testemunhas autênticas do Evangelho. Onde o missionário ainda não chegou, Deus já está trabalhando bem antes de nós. O que temos a fazer é reconhecer o que já existe de bom e mostrar os frutos do evangelho no nosso acolhimento, na nossa caridade fraterna, na espiritualidade que constrói o bem, reconcilia, defende a vida...         

Aprofundando a reflexão:
Fazer uma “galeria de retratos” (com desenhos ou palavras) de pessoas que nos impressionaram (ou impressionam) com a autenticidade de seu testemunho. Podem ser católicos, de outras Igrejas, ou simplesmente gente fiel a seus ideais, mortos ou vivos,  leigos, clero, religiosas, pessoas famosas  da história da humanidade ou não, santos canonizados pela Igreja ou pessoas da nossa família e das nossas relações.
Outra opção: dramatizar ou apresentar em forma de entrevista de TV “a comunidade dos nossos sonhos”.

2. Enviados a todos

O texto de Mateus (28, 16-20) insiste para que os discípulos de Jesus sejam procurados em todos os povos. Voltaremos mais longamente sobre o assunto no capítulo 4. Desde já, porém, anotamos essa insistência e nos perguntamos pelas suas conseqüências. O que significa fazer discípulos em todos os povos, portanto em todo país, em toda cultura, em toda situação religiosa?

A mesma fraternidade deve poder acolher a todos, levando-os a “praticar o que Jesus ensinou”. Como fazer isso? É evidente que as pessoas humanas se encontram em situações muito diversas do ponto de vista econômico, político, cultural, religioso...Como é possível levar a todos a mesma mensagem?

3. A evangelização têm  muitos aspectos

Vários documentos importantes da Igreja (“Evangelii Nuntiandi”, Puebla , Santo Domingo) têm afirmado que a evangelização é uma realidade complexa, feita de diferentes aspectos ligados entre si.. Um outro documento, dedicado a descrever a evangelização num ambiente não - cristão (A Igreja diante dos seguidores de outras religiões, do Secretariado para os não cristãos) apresenta um roteiro com várias etapas ou exigências. O caminho dessa primeira evangelização seria assim:

*                     O evangelizador deverá tornar-se presente no meio do povo e da cultura que se sente chamado a evangelizar. Essa presença só pode ser uma presença solidária, sintonizada com os problemas e sentimentos do povo. Muito inspirador, nesse caso, é o início de um importante texto do Concílio Vaticano II, que diz o seguinte:“As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos os que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo. Não se encontra nada verdadeiramente humano que não lhes ressoe no coração” (GS, 1).

*                     Daí decorre uma exigência de fundo, geral, da evangelização: ela precisa ser inculturada. A exigência da inculturação é uma exigência fundamental,  necessária  como base de todas as outras exigências. Inculturação entendida à luz dos três grandes mistérios da salvação, como bem afirmam as Conclusões de Santo Domingo: “a Natividade, que mostra o caminho da Encarnação e move o evangelizador a partilhar sua vida com o evangelizado; a Páscoa, que conduz através do sofrimento à purificação dos pecados, para que sejam redimidos; e Pentecostes, que pela força do Espírito possibilita a todos entender, na sua própria língua, as maravilhas de Deus” (Santo Domingo, nº 230). Sem dúvida, a experiência do Verbo de Deus, que se encarnou em Jesus, tomou corpo num ser humano, numa certa época e lugar, viveu como pessoa inserida numa determinada família, nação, cultura é, para todos, um modelo exemplar. Da mesma forma, o evangelizador não pode deixar de expressar a mensagem do Evangelho de acordo com as características de um lugar, de uma cultura. Precisa, de certa forma, “falar a linguagem do outro”, a quem quer comunicar a boa nova. A inculturação, portanto, como exigência fundamental,  estará presente no modo de atender às outras.

·      1ª Exigência: A solidariedade se torna concreta quando se expressa em atitude de serviço. Poderá também tornar-se uma atitude crítica, como acontece, por exemplo, diante das injustiças sociais. Mas essa crítica deverá sempre ser sinal de solidariedade profunda e amor pelos irmãos.


“A primeira exigência da evangelização é, pois, o serviço, como testemunho do amor gratuito de Deus para com cada pessoa humana. Por ele se reconhece a dignidade fundamental do ser humano, criado à imagem e semelhança de Deus. Pelo serviço ao mundo, ela se solidariza com as aspirações e esperanças da humanidade, levada pela ‘fome e sede de justiça’, a colocar-se a serviço da causa dos direitos e da promoção da pessoa humana, especialmente dos mais pobres, em vista de uma sociedade justa e solidária” (DGAE, 87).


*                      2ª Exigência: Tendo sido criada uma relação de confiança, fica aberto o caminho para o diálogo. É possível que as pessoas nos perguntem sobre o que nos motiva a ser do jeito que somos. Na primeira carta de Pedro se diz que então “devemos estar preparados para dar a razão da nossa esperança” àqueles que nos pedem tal explicação (1Pd 3,15). Então vamos dialogar mais profundamente sobre o sentido da vida, a visão da religião, a busca da verdade. Este diálogo supõe reciprocidade, enriquecimento mútuo. Não pode ser instrumento de dominação para influenciar ou convencer o outro de qualquer maneira.


“A segunda exigência consiste em abrir-se ao diálogo, não como mera tática de conquista ou como jogo de interesses, mas como reconhecimento do real valor do outro como pessoa humana, querida e amada por Deus. O diálogo supõe reconhecer o outro como diferente de nós mesmos, como interlocutor, sujeito de valores que pertencem desde já ao Reino. O diálogo é exigido ‘pelo profundo respeito por tudo o que o Espírito operou em cada homem’. Assim, o reconhecimento da presença operante do Espírito de Deus nos fiéis de outras religiões constitui o fundamento teológico do diálogo inter-religioso” (DGAE, 88).

*                     3ª Exigência: O diálogo, bem como a solidariedade e os serviços prestados, serão a base sobre a qual o evangelizador poderá fazer um pleno e claro anúncio do Evangelho de Jesus Cristo.  Na verdade, se houve solidariedade e serviço, algo já foi anunciado, de forma indireta mas muito convincente. A autenticidade do anúncio, como veremos melhor no capítulo 3, fundamenta-se nessa união de palavra e atitudes. A comunicação verbal funciona melhor quando se pode ver a eficácia da Palavra de Deus na vida do próprio missionário. Isso aparece quando ele demonstra solidariedade e caridade.

“A terceira exigência é o anúncio explícito de Jesus Cristo e de seu Evangelho. ‘A Igreja não pode esquivar-se ao mandato explícito de Cristo, não pode privar os homens da ‘Boa Nova’ de que Deus os ama e salva’. O centro e o ápice do dinamismo evangelizador da comunidade eclesial há de ser sempre ‘uma proclamação clara que, em Jesus Cristo, Filho de Deus feito homem, morto e ressuscitado, a salvação é oferecida a todos os homens como dom da graça e da misericórdia do mesmo Deus’.  Deve-se notar  que o anúncio é um acontecimento salvífico em que ouvintes já despertados para a esperança do Reino, são chamados a participar na comunhão visível com a Igreja” (DGAE, 90).

·      4ª Exigência: Finalmente, o evangelizador poderá formar, com aqueles que acolherem o anúncio e derem sua adesão de fé à pessoa de Jesus, uma comunhão fraterna, uma comunidade que será também sinal da boa nova como Igreja de Jesus que crê, vive e celebra na fé.

“A quarta exigência está na vivência comunitária da fé eclesial, de tal modo que as comunidades cristãs sejam ‘sinal da presença divina no mundo’. A comunidade cultiva sua ligação profunda com o mistério de Deus em Cristo, pela fé vivida no quotidiano de suas tarefas humanas alimenta essa fé na celebração da Palavra e dos sacramentos e se fortalece, desta forma, para o serviço ao mundo, articulando dons, carismas e ministérios para a plena realização de sua missão evangelizadora” (DGAE, 91).

Estas quatro exigências da evangelização, realizadas com espírito de inculturação, constituem o que poderíamos chamar de Evangelização Integral. É importante ter isso em mente para não fazer uma evangelização capenga, onde ficam faltando aspectos essenciais.

As quatro são interligadas: “serviço” já é evangelização, “diálogo” já é evangelização, como são evangelização o “anúncio” ou o testemunho da “comunhão” (Documento do Secretariado para os Não Cristãos de 1984). Trata-se do serviço prestado pelo evangelizador, como expressão da sua solidariedade com a humanidade e, mais ainda, como sinal do amor de Deus para com seus filhos. Trata-se do diálogo como busca da verdade, que procura lealmente o reconhecimento do Deus verdadeiro.

Numa situação como a nossa, no Brasil de hoje, encontramos situações diferentes: cada uma pode exigir que se acentue mais um dos aspectos da evangelização (sem esquecer dos outros).

Todo o povo brasileiro, por exemplo, espera por parte dos cristãos uma participação ativa na edificação de uma sociedade justa e solidária. Seria especialmente escandaloso se os cristãos não estivessem presentes no serviço da causa dos pobres e da defesa dos excluídos.

Muitos brasileiros pertencem hoje a religiões ou crenças diversas da Igreja Católica. Eles têm direito a uma atitude de diálogo por parte dos católicos, que - por sua vez - procurarão estreitar os laços de unidade que já os unem às Igrejas cristãs. Mesmo quando houver grupos que não estejam dispostos a manter conosco um diálogo fraterno e pacífico, cabe aos católicos evitar toda atitude polêmica. Somos chamados a trabalhar - pelo menos com o estudo e a oração - para restabelecer a comunicação e a confiança com todos os que partilham a fé em Jesus Cristo.

Grande parte da população brasileira católica pratica o chamado “catolicismo popular”, com suas devoções aos santos e suas festas. Essa população deverá receber um anúncio do Evangelho de Cristo que  respeite seus sentimentos e compreenda a sinceridade de prática religiosa. Esse anúncio deve ajudar o povo a fazer um aprofundamento da fé cristã.

Temos também os católicos “praticantes”, que participam regularmente da liturgia dominical e dos sacramentos. O anúncio se dirige a estes para avivar a fé, a compreensão da Palavra de Deus, a autenticidade da vivência sacramental. Com isso queremos ajudar as comunidades eclesiais a serem mais vivas, capazes de serem sinais visíveis da comunhão com o Pai, em Cristo e pelo Espírito, e com os irmãos.

Atividades para grupos: (podem ser tipo “dever de casa” ou podem ser combinadas com alguma antecedência e executadas no próximo encontro de reflexão e estudo):
- criar figuras simples que possam funcionar como símbolo de cada uma das exigências.
- pesquisar as atividades que funcionam regularmente na comunidade ou no grupo ao qual pertencemos: As quatro exigências estão funcionando? Onde há deficiências? Onde há avanços significativos?


- entrevistar agentes de pastoral de grupos diferentes; por exemplo: catequistas, vicentinos, coordenadores de grupos de oração, membros da equipe de liturgia. Verificar se a atividade em que cada um se envolve se ocupa só com um aspecto da evangelização ou se já estão presentes as cinco exigências.
- dramatizar situações de falso diálogo (dominador, sem escuta e sem respeito ao outro) e diálogo verdadeiro.
- escolher um dos milagres de Jesus narrado no evangelho de Marcos; criar uma cena onde os cristãos de hoje possam prestar serviço semelhante, sem ter que fazer milagres. Por exemplo: integrar uma pessoa de volta na comunidade (Mc 1,40-44);  alimentar muita gente (Mc 6,30-44); ajudar doentes (Mc 6,53-56); dar voz a quem não tinha direito de falar (Mc 7,31-37); dar condições para as pessoas enxergarem melhor a realidade (Mc 8,22-26). 

 Para transformar em oração o que foi refletido:

Ler, meditar e conversar com Deus a partir de:

- Rm 12,3-16

- Mc 10,35-45

4. Rumo ao Novo Milênio

A Igreja do Brasil está envolvida num grande trabalho integrado de evangelização: é o nosso Projeto Rumo ao Novo Milênio. Esse Projeto responde a um apelo feito pelo Papa na Carta Apostólica “Tertio Millennio Adveniente” ( A chegada do terceiro Milênio). João Paulo II nos convida a superar as deficiências do segundo milênio. Aponta até algumas falhas graves que tivemos no passado: divisões entre os cristãos,  intolerância, o uso da violência na pretensão de impor a verdade. Lembra que temos  corresponsanbilidade, se hoje, em países cristãos, existem a indiferença religiosa e as injustiças sociais... A “nova evangelização” que o Papa deseja não é apenas um esforço para trazer mais gente para a Igreja. É uma mudança na  qualidade daquilo que fazemos. Exige uma maneira melhor, mais autêntica e mais adequada de testemunhar o Evangelho no mundo novo que está surgindo.



Capítulo 3

COMO ANUNCIAR O EVANGELHO?

1. Anúncio em “palavras” e “ações”

O Concílio Vaticano II frisou que Deus se revelou à humanidade em “acontecimentos e palavras” relacionados entre si. São Pedro anuncia na casa de Cornélio que “Deus enviou a palavra (...) por Jesus Cristo, que passou fazendo o bem e curando...” (At 10, 36-38). O evangelho nos fala das “palavras” (os ensinamentos) de Jesus e dos “fatos (as ações) de sua missão. Lucas inicia seu evangelho dizendo que vai fazer um relato “de todas as coisas que Jesus fez e ensinou” (At 1,1).

Os Apóstolos continuam a missão de Jesus, anunciando a boa nova do Reino de Deus. Fazem isso usando a palavra, acompanhada de “sinais”  ou manifestações do poder de Deus. É isto que lemos no final do evangelho de Marcos: “E eles saíram a pregar por toda parte, agindo com eles o Senhor, e confirmando a Palavra por meio dos sinais que a acompanhavam.” ( Mc 16,20)

Está aqui uma primeira indicação fundamental para o “método” da evangelização. Não se trata apenas de “pregar” ou “anunciar” em palavras. Temos que demonstrar, em atos concretos, a presença da misericórdia e do poder salvífico de Deus, capaz de transformar a vida das pessoas. As palavras devem ajudar os ouvintes a reconhecer o sentido e os motivos profundos daquilo que estão vendo.

2. Anunciar para levar à mudança de vida

O evangelizador é enviado, como Jesus (cf. Jo 20, 21b), para ajudar as pessoas a descobrir a presença de Deus em suas vidas e na história da humanidade. Ele convida a acolher essa presença ou o “Reino” (o senhorio, a vontade) de Deus. Não se faz isso ensinando antes de tudo uma “doutrina”. Temos que criar condições para que as pessoas façam uma experiência de Deus, um encontro com a sua proposta salvadora. Daí poderão tirar conseqüências que são capazes de produzir uma mudança de vida.

Jesus ensinava de modo muito especial. Vemos isso mais claramente quando ele encontra diante de si críticos ou adversários, que não querem acolher sua palavra, e recusam o “evangelho de Deus”. A eles Jesus dirige suas parábolas. O evangelho afirma que muitas delas foram contadas “para fariseus e doutores da Lei que murmuravam contra Ele” (Lc 15,2; Mt 21,23 - 22,14).  A parábola não dá a lição pronta: provoca reflexão, pede que cada um tire suas próprias conclusões. E por isso pode mexer muito mais com as pessoas, provocar a consciência a uma conversão: não é o pregador que vai dizer o que deve ser mudado, é a própria pessoa que vai perceber e se sentir questionada.

3. Três passos da pedagogia de Jesus

Alguns modernos estudiosos da Bíblia distinguem três aspectos nas parábolas de Jesus:

- Jesus antes de tudo se esforça para compreender a situação do ouvinte, sua visão da realidade (muitas vezes distorcida), suas dúvidas ou interrogações. A partir daí, cria a parábola, na forma de um pequeno conto de um fato da vida, que apresenta alguma semelhança com a situação que o ouvinte está vivendo. A semelhança não pode ser grande demais; de outra forma, o ouvinte a descobre logo; fica mais interessante quando o ouvinte tem que refletir e, só depois de algum tempo, descobre a relação que há entre sua vida e o fato contado na parábola.

Esse método era também o de certas parábolas contadas já no Antigo Testamento. Por exemplo: Essa relação entre a parábola e o ouvinte aparece na parábola que o profeta  Natã conta a Davi (cf. 2 Sm 12). Só no fim, o rei Davi percebe que ele é aquele homem que roubou a  única ovelha do pobre!

O mesmo acontece com muitas parábolas de Jesus: só no fim, os  ouvintes percebem que a parábola fala deles ou a eles.

- Jesus, em segundo lugar, procura convencer o seu ouvinte, ajudando a descobrir uma nova realidade ou a interpretar de modo novo a realidade que está vivendo. Para isso, Jesus não apela para a teoria dos filósofos ou para a autoridade da Tradição, nem mesmo da Bíblia ou Palavra de Deus. Jesus apela para a experiência vivida. Conta fatos da vida, às vezes um pouco extraordinários.  São fatos que, em princípio, fazem parte da experiência de todos ou de quase todos (como semear e colher o trigo, ou ter notícia de alguma falcatrua ou sofrer um assalto, ou simplesmente perder uma ovelha ou uma moeda...). A realidade nova que o ouvinte deve enxergar (e antes não conseguia ver!) é a vontade de Deus naquela situação, é o “reino de Deus” que vem ao nosso encontro, que podemos acolher ou rejeitar.

- É claro que Jesus conta as parábolas para que o ouvinte acolha a vontade de Deus, seu Reino, e com isso se “converta”, mude de atitude e de vida. Os evangelistas, tendo constatado que muitos não aceitaram a mensagem de Jesus, chegaram a dizer que as parábolas foram contadas para que “ouvindo, ouçam e não entendam” (Mc 4,12, que cita Is 6, 9-10; cf. Mt 13, 10-15; Lc 8,9-10). Mas esta é uma explicação deles, que tinham dificuldade em entender porque alguns não se convertiam.  É claro que o objetivo de Jesus não era falar à toa, ele queria que todos descobrissem com alegria a mensagem do Reino. (Confira em Mt 13, 44-46: descobrir o Reino é descobrir um grande tesouro, uma grande alegria!).

4. Um exemplo: a parábola dos dois filhos

O que dissemos das parábolas de Jesus ficará mais claro se analisarmos uma delas. Tomemos como exemplo a parábola dos dois filhos em Lc 15, 11-32 (mais conhecida como “parábola do filho pródigo”- um nome de fato não muito adequado).

Quem são os ouvintes? Os fariseus e os doutores da Lei. O que devem compreender? Que Jesus, aproximando-se dos pecadores (“publicanos e prostitutas”), não está fazendo algo errado - nós diríamos hoje: freqüentando más companhias - mas está realizando a vontade de Deus, mostrando a bondade do Pai.

Então Jesus conta a história dos dois filhos, começando pelo mais jovem, que evidentemente é a figura do pecador. Ele se afasta do pai (ou seja, de Deus), cai na farra e depois no desespero. Finalmente, volta para casa, arrependido. Até aqui, provavelmente, os fariseus estavam de acordo. Só esperavam o final: a repreensão do pai, o castigo.

Mas é aqui que Jesus os surpreende. Há o irmão mais velho, o que “há tantos anos” serviu o Pai e “jamais transgrediu um só de seus mandamentos” (Lc 15,29). Aparentemente, é um santo cumpridor da Lei de Deus, como os fariseus. Mas quando o pai resolve fazer festa pelo filho que voltou e o readmite em casa sem condições, o filho mais velho protesta e se recusa a partilhar da alegria do Pai. Revela que, no fundo, não amava de verdade nem ao pai, nem ao irmão.

Neste ponto, restava aos ouvintes (os fariseus) uma alternativa: ou continuar em sua atitude de incompreensão da misericórdia de Deus (e se identificar com o filho mais velho, que se recusava a aceitar a volta do irmão menor), ou assumir o ponto de vista de Jesus,e partilhar a alegria do pai (de Deus!) com a ressurreição do pecador: “Este teu irmão estava morto e tornou a viver!” (Lc 15,32b).

5. A mensagem de Jesus: “boa nova” para uns, desafio para outros

Esta parábola nos ajuda a entender também porque a mensagem de Jesus foi acolhida por uns - os fracos e pecadores. Para esses ela era realmente “boa nova”, anúncio do amor e do perdão de Deus. Ficavam contentes ao descobrir - como dirá depois São Paulo - que “Deus demonstra seu amor para conosco pelo fato de Cristo ter morrido por nós quando éramos ainda pecadores” (cf. Rm 5, 8). Para outros, como os “fariseus” e seus semelhantes, a mensagem de Jesus não era exatamente uma má notícia, mas um desafio. Trazia um apelo a mudar de atitude: tinham que parar de pensar em Deus como um fiscal que faz contabilidade dos nossos pecados para acolher a fé no Pai amoroso revelado  por Jesus. Nem todos souberam responder de forma positiva a esse desafio... Mas isso não desencorajou o semeador: Jesus continuou e continua a lançar sua semente, a Palavra (cf. Mc 4, 3-8.14 ). Ele tem certeza de que haverá uma grande colheita: pois “há as que foram semeadas em terra boa...; são os que dão fruto, um trinta,  outro sessenta, outro cem” (Mc 4,20).

A pedagogia de Jesus, como evangelizador, une a palavra à ação e assim revela Deus agindo na vida. Os primeiros discípulos e apóstolos continuaram seguindo esse caminho ao evangelizar.

Passando o recado para os dias de hoje:
Escolha uma parábola de Jesus e recrie a mensagem contando a parábola adaptada às situações do nosso mundo moderno.  

6. A pregação de Paulo Apóstolo

O evangelizador mais citado pelo Novo Testamento é o apóstolo Paulo. Ele também, ao pregar, apresentava a palavra acompanhada por sinais ou fatos. Os Atos dos Apóstolos mostram como Paulo fazia, diante de diferentes tipos de ouvintes. Ele se servia da história de cada grupo humano para anunciar e fazer compreender o evangelho de Cristo.

Há, no relato do apostolado de Paulo, três discursos que são modelos para nos ajudar a perceber como se leva em conta a situação dos ouvintes: um dirigido aos judeus (At 13, 16-41), um aos licaônios (At 14, 15-17) e outro dirigido aos atenienses (At 17, 22-31).Vamos analisá-los brevemente:

-          Aos judeus: Paulo lembra que eles são o povo eleito, libertado do Egito, introduzido na terra de Canaã, guiado por juízes e reis, até Davi, de cuja descendência nasceu Jesus. Este Jesus, atestado como Messias por João Batista, foi condenado injustamente em Jerusalém, mas Deus o ressuscitou dentre os mortos. É nele que está a salvação, que a Lei de Moisés não conseguiu. É Nele que devemos crer. Jesus é apresentado aqui como Aquele que os judeus esperavam há muito tempo, como a realização plena da “promessa feita a nossos pais” (At 13,23). Como vemos, Paulo aproveita a história do povo judeu, aquilo que eles já valorizam, para anunciar a novidade de Jesus.

-          Aos camponeses da Licaônia: Paulo limita-se a falar com simplicidade do Deus vivo, “que fez o céu, a terra, o mar, e tudo o que neles existe”. Ele mostrou sua providência a todos os povos, enviando-lhes sol e chuva, e as diversas estações do ano, que tornam férteis os campos, “saciando de alimento e alegria”  a raça humana. Aqui é evidente que temos apenas um esboço de uma pregação, que deverá continuar e ser aperfeiçoada. Mas é um primeiro passo apropriado no diálogo com esse povo simples, que vive da terra.

-          Aos intelectuais de Atenas:  Aqui temos homens habituados a outros raciocínios, gente mais difícil de convencer, sem a simplicidade dos licaônios, Paulo dedica a eles uma pequena obra-prima da pregação missionária. Ele procura “captar a benevolência” de seus ouvintes, elogiando sua religiosidade, que os fez levantar um altar “ao Deus desconhecido”. Não contente com isso, cita profetas e filósofos da grande cultura grega, para anunciar o Deus único, que não pode ser confundido com ídolos ou imagens. No fim, anuncia a ressurreição de Jesus Cristo. Nesse ponto parece que o caminho foi rápido demais: Houve incredulidade e zombaria por parte de muitos ouvintes, embora tenha havido algumas conversões. Não se trata, como dizem alguns, de um fracasso, que teria deixado Paulo deprimido até chegar a Corinto (cf. 1 Cor 2,3). Deu-se aqui o primeiro passo de um encontro entre duas visões da história humana, duas culturas: a hebraica, contida na Bíblia, e a  grega.  Esse diálogo entre as duas culturas iria progredir ainda durante muitos séculos.

7. A lição do Apóstolo e do cristianismo antigo

Os três discursos de Paulo registrados no livro dos Atos e toda a prática do cristianismo antigo mostram como os evangelizadores souberam falar a linguagem de seus ouvintes. Continuando a atitude de Jesus, que se empenhava a falar de modo a ser compreendido, os primeiros missionários cristãos procuraram dialogar com as diversas culturas de sua época e valorizar a herança religiosa de cada povo.

Podemos nos questionar se estamos sabendo tirar proveito dessa lição dos Atos do Apóstolos e da Igreja Antiga:

-          Até que ponto estamos sabendo anunciar o Evangelho com a linguagem de hoje, a partir da experiência humana e religiosa de nossos ouvintes?

-          Procuramos encarnar e expressar o evangelho nas culturas de nosso tempo? Tem ficado bem nítido o sentido que a mensagem de Jesus tem para as realidades em que vivem o homem e a mulher de hoje?

Jesus não se limitou a repetir ensinamentos do passado. Nunca desligou sua palavra da vida e da experiência vivida de seus contemporâneos. Não é esta uma grande lição para o evangelizador hoje?

Um trabalho para os grupos:
Observar (em revistas, nos jornais, na TV) a linguagem usada nos anúncios dirigidos a públicos diferentes. Por exemplo: anúncios de produtos destinados às crianças, às donas de casa, aos jovens moderninhos,  às pessoas bem situadas na escala social...
Criar três anúncios diferentes do mesmo produto (qualquer produto, à escolha do grupo)
para três grupos de destinatários:
a) cortadores de cana de açúcar e lavradores em geral
b) operários das cidades grandes
c) professores universitários ou profissionais liberais.
Indicar as semelhanças e diferenças entre o anúncio de um produto e o anúncio dos valores do Reino de Deus.  
Um outro grupo apresentará, para os mesmos grupos, uma mensagem do Evangelho.

Para transformar em oração o que foi refletido:

Ler, meditar e conversar com Deus a partir de:

-          1 Cor 9, 19-23

-          Mc 9,36-37.


Capítulo 4

A QUEM EVANGELIZAR?

1. Jesus é o apelo definitivo

O anúncio do Reino de Deus, que Jesus  traz, é a definitiva mensagem de salvação. Jesus mesmo se compara com Noé: quem não escutar seu apelo, está ameaçado perder a chance da salvação, como os que continuaram vivendo sem nenhuma preocupação, sem tomar providência alguma face ao dilúvio que se aproximava (cf. Mt 24,37-39). Este é também o sentido originário de várias parábolas de Jesus, que convidam seus ouvintes a não “perder a oportunidade” da salvação, a não chegar atrasado e encontrar a porta fechada (cf., por ex., a parábola das dez moças, Mt 25, 1-12, ou a parábola do rico e do pobre, Lc 16, 19-31).

Não é uma ameaça: o que Jesus faz, com bastante veemência, é um emocionado convite  a não desperdiçar a chance que Deus oferece com tanta generosidade. O temor de perder a oportunidade da salvação ressalta, indiretamente, quanto é importante discernir e levar a sério a proposta de Deus (cf. Mt 22, 2-10; Lc 14, 15-24), que chama a todos para participar da festa do filho, do banquete nupcial, da felicidade eterna.

A consciência de que a salvação - e portanto a comunhão com Deus - está em Jesus se tornou tão aguda entre os seus discípulos, que eles concentraram o anúncio do “Reino de Deus” na própria pessoa de Jesus Cristo, o Senhor, o Salvador. Nas cartas dos Apóstolos, a palavra “Reino” desaparece e se destaca sempre mais o nome de Jesus Cristo, ressuscitado, glorificado, feito Senhor do céu e da terra, no qual “habita toda a plenitude da divindade” (Cl 2,9).

2. Jesus Cristo deve ser anunciado a todos

A convicção dos Apóstolos é expressa por São Pedro quando afirma: “Não há, debaixo do céu, outro nome pelo qual possamos ser salvos” (At 4, 12). Certamente isso não significa, como foi às vezes pensado, que somente quem conhece o nome do Cristo será salvo. Há uma parábola de Jesus que mostra que muitos se salvarão por ter praticado o amor, mesmo sem reconhecer claramente o rosto de Jesus no irmão (cf. Mt 25, 31-46). Ou seja: também para os pagãos a salvação é possível. O próprio Jesus, várias vezes, ressaltou a fé e o amor de pagãos, como o oficial romano (cf. Mt 8,5-13; Jo 4,46-53), ou de samaritanos (como o bom samaritano de Lc 10,29-37). Retomando a tradição bíblica, o Concílio Vaticano II garante que todo aquele que seguir retamente a sua consciência irá salvar-se (cf. LG 16).

Mas isto não anula a necessidade de anunciar o nome de Jesus “até os confins da terra” (At 1,8), como fizeram os apóstolos. De fato, mesmo que não seja necessário conhecer a revelação cristã para se salvar, o apóstolo de ontem - como o evangelizador de hoje! - se sente impulsionado  a anunciar o amor sem limites de Deus para com a humanidade. É que todos têm o direito de conhecer esse amor que se expressou na encarnação do Verbo em Jesus de Nazaré. Como não proclamar a prova de amor que ele nos deu, morrendo por nós numa cruz? (cf. Fl 2, 6-8). Todos têm o direito de descobrir como são importantes para Deus.

Paulo testemunha, em termos muito pessoais, o que cada evangelizador experimentou: “Minha vida presente na carne (=na condição humana), eu a vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou a si mesmo por mim” (Gl 2,20). Paulo, por isso, conclui: “Anunciar o evangelho não é título de glória para mim. É, antes, uma necessidade que se me impõe. Ai de mim, se eu não anunciar o evangelho!” (1 Cor 9,16).

3. Jesus Cristo pregado sem discriminação e sem condições

Anunciar o Evangelho a todos não é uma tarefa fácil! Assim mesmo os primeiros apóstolos não se deixaram desanimar pela imensidade da tarefa! Paulo, com poucos companheiros, depois de ter evangelizado Ásia, Macedônia e Grécia, já traça planos para evangelizar todo o Ocidente e de chegar, para além de Roma, até ao limite do mundo por ele conhecido (cf. Rm 15, 28). 

Além da preocupação geográfica - alcançar todas as terras - existe uma preocupação por alcançar todos os setores e classes da sociedade. Jesus tinha dado o exemplo primeiro. Ele não se limitou a anunciar o Evangelho aos sábios e poderosos, embora tenha chegado - no fim da vida - a levar sua mensagem no coração de Jerusalém, face ao Sinédrio e ao governador romano. Jesus se ocupou das pessoas mais desprezadas e marginalizadas, que eram consideradas impuras ou, simplesmente, sem importância. Jesus anunciou a boa nova da bondade e do amor de Deus Pai a crianças, mulheres, doentes (endemoninhados, cegos, coxos, surdo-mudos...), pobres (pastores, pecadores, camponeses, servos...), estrangeiros, heréticos (como os samaritanos), pecadores (publicanos e prostitutas...).

Assim também os apóstolos e primeiros evangelizadores procuraram evangelizar pessoas de todas as condições sociais e de todas as diversas religiões e culturas. embora não atingissem a todos com a mesma intensidade. Por exemplo: o interior, no início, foi menos evangelizado do que as cidades;  ricos e intelectuais opuseram mais resistência ao evangelho do que comerciantes, artesãos e escravos.

Não é difícil fazer uma lista de quem recebe a pregação do Evangelho e constatar a diversidade de condição social ou cultural:

-          Paulo acolheu um escravo (Onésimo, como se vê na carta a Filemon) e curou uma escrava (veja em At 16,16 ss); é fácil perceber que havia escravos nas comunidades fundadas por Paulo observando as instruções que ele dá a esse respeito (confira em 1 Cor 7, 21-24; Cl 3,22; cf. também 1 Pd 2,18 ss.);

-          Paulo fez contatos com pessoas importantes, como o procônsul Sérgio Paulo em Chipre (At 13,7);  a negociante de púrpura, Lídia, em Filipos (At 16,14);  filósofos em Atenas (At 17,18); Crispo, chefe da sinagoga em Corinto (At 18,8);  e ainda deu testemunho do evangelho diante das autoridades judaicas e romanas ou do rei Agripa (At 25,13 ss.);

-          Paulo ainda encontrou grande apoio junto de compatriotas seus, que moravam nas cidades do Império e exerciam o comércio ou o artesanato: baste lembrar a longa lista de Rm 16, 1 ss., onde sobressai o casal Áquila e Priscila, que tinham a mesma profissão de Paulo: fabricantes de tendas (cf. At 18, 2 ss.).

4. Jesus Cristo pregado a todos os povos

Jesus se declara no início enviado exclusivamente “às ovelhas dispersas da casa de Israel” (Mt 15, 24). Mas os evangelistas contam várias exceções que Jesus faz a esta regra; assim, antecipam a missão dos apóstolos junto aos “pagãos”, ou seja, junto aos “povos” (as gentes, os gentios) que não faziam parte do povo eleito.

Jesus fala sobre sua missão junto a Israel (Mt 15,24) na emocionante história da mulher cananéia, que consegue a cura da filha com o argumento de que também os cachorrinhos (= os pagãos) comem das migalhas que caem da mesa dos filhos (= Israel).  Marcos conta o mesmo caso (Mc 7,24-30), e narra logo depois um outro milagre na região (pagã) da Decápole (Mc 7,31 ss.). É interessante notar que, antes desses milagres, o evangelho apresenta o ensinamento sobre o puro e o impuro (Mc 7, 1-23), com o qual Jesus acaba com os “tabus” que impediam aos judeus de sentar à mesma mesa com os pagãos. Marcos mostra essa atitude de Jesus para fundamentar a prática das comunidades cristãs, que passam a acolher sem distinção “gregos e judeus, homens e mulheres, ricos e pobres”.

A coisa não foi fácil. Ainda hoje é difícil para nós superar preconceitos de raça, religião, cultura, ou simplesmente divisões internas na Igreja, entre “tradicionalistas” e “progressistas”. O capítulo 15 dos Atos dos Apóstolos nos oferece uma luz para indicar o caminho nessas divergências. Lá se discute o que fazer com os pagãos que querem ser cristãos: podem ser aceitos do jeito como são? Ou devem primeiro aceitar as tradições judaicas, incluindo a circuncisão? Essa famosa reunião ficou conhecida como “Concílio de Jerusalém”. Ficou decidido não impor exigências além do estritamente necessário; assim, não se obrigava os que vinham do paganismo a se tornarem judeus, a assumirem a cultura dos apóstolos, para serem cristãos.

Hoje, numa situação bem semelhante, nós poderíamos nos perguntar, por exemplo:
- Indio tem que deixar de ter cultura de índio para ser cristão?
- Todo mundo tem que celebrar e rezar do mesmo jeito?
- Africanos, asiáticos e europeus vão expressar da mesma forma a sua fé?
- Temos preconceitos com a religiosidade popular?

Mas na prática, a questão continuou provocando atritos. Até Paulo e Pedro se desentenderam por causa disso! (cf. Gl 2,11-14). E Paulo sofreu enormemente por parte do grupo mais radical, que queria a qualquer custo que os pagãos se tornassem judeus para poder receber o batismo cristão e participar da Eucaristia (cf. as amargas queixas de 2 Cor 11,13.26 a respeito dos falsos apóstolos ou falsos irmãos). Para Paulo, ao contrário, essa exigência tornava sem sentido ou sem valor a própria cruz de Cristo (cf. Gl 2,21).

Paulo aprendeu a aceitar outras culturas porque conviveu com gente diferente, saiu do ambiente judeu e amou aqueles a quem evangelizava. Isso o ajudou a perceber que se podia aceitar o que, em outras culturas, não era contrário ao evangelho.

Os evangelizadores de hoje,  face a esses exemplos do Novo Testamento, que são norma e inspiração para  todos nós, devem se questionar. Devem se perguntar se a evangelização se dirige realmente a todo o povo, em particular aos mais marginalizados ou esquecidos e excluídos, e a todos os povos, sem distinção de raça, cultura ou religião.

Uma tarefa para abrir horizontes na evangelização inculturada:
1. Observar o material produzido normalmente pela cultura do nosso povo e pelos meios de comunicação (aquilo que não é criado com intenção catequética, religiosa).
2. Tentar descobrir nesse tipo de material alguns sinais de valores do Reino que poderiam ser ponto de partida para a evangelização.
3. Sugestões de tipo de material a ser pesquisado:
- a música popular , incluindo o que cantam os conjuntos que tanto agradam aos jovens.
- a literatura infantil. Por exemplo: será que já percebemos que a história do Patinho Feio se presta a trabalhar a questão dos excluídos?
- as trovas, a literatura de cordel, os provérbios populares.
- as histórias em quadrinho que as crianças lêem, especialmente as da turma da Mônica
   (Chico Bento, Horácio, Papa Capim...).
- as críticas à realidade brasileira, feitas por humoristas em forma de desenho nos jornais.

Pretendemos retomar esses temas nos próximos anos, em outros cadernos, tratando especialmente em 1998 das missões no meio do nosso povo  e, em 1999, das missões entre os povos (“ad gentes”), para além de nossas fronteiras. Como fruto da reflexão deste ano, com o auxílio deste caderno, esperamos ter mostrado - à luz da Palavra de Deus - o que é evangelizar e quais são as exigências que o evangelizador deve atender para ser fiel à sua vocação.

O nosso mundo, como o do profeta Isaías, aguarda a chegada do evangelizador e o momento de dizer: Como são belos, sobre os montes, os pés do mensageiro que anuncia a paz, do que proclama boas novas (“evangelho”) e anuncia a salvação, do que diz a Sião: ”O teu Deus reina” (Is 52,7).
  
Dom Erwin Kräutler
Bispo do Xingu
Responsável pela Dimensão Missionária da CNBB
Pe. João Panazzolo
Diretor das Pontifícias Obras Missionárias (POM)


Copilado por:
Pr. Cirilo Gonçalves da Silva
Mestre em Teologia e Evangelista
TWITTER: @prcirilo 

Um comentário:

Steve Finnell disse...

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