domingo, 12 de abril de 2015

PERFEIÇÃO CRISTÃ NO EVANGELHO DE MATEUS


"PERFEIÇÃO" CRISTÃ NO EVANGELHO DE MATEUS

 

Dos quatro escritores do Evangelho, somente Mateus usa o termo "perfeito" (teleios). Esta palavra aparece duas vezes no seu Evangelho (Mat. 5:48; 19:21) como palavras do próprio Jesus.

Mat. 5:48

"Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste." (Mat. 5:48). Estas palavras frequentemente citadas de Jesus sumarizam e são climáticas de toda a série de Seus pronunciamentos que foram dirigidos contra a piedade legalística dos escribas e fariseus. Falando enfaticamente, em Sua autoridade como o Messias, Cristo trouxe a verdadeira e perfeita interpretação messiânica de Moisés e dos profetas. Sendo o Rei de Israel, Ele personificou o Reino de Deus.

As declarações de Jesus em Mateus 5-7 são todas coloridas e direcionadas ao final estabelecimento do Reino de Deus em glória. Tendo afirmado Sua lealdade a Moisés e aos profetas (5:17-19), Jesus reiterou fortemente a antiga mensagem profética de que piedade externa e observância da lei ainda não qualificavam a alguém para o Reino de Deus. "Porque vos digo que, se a vossa justiça não exceder em muito a dos escribas e fariseus, jamais entrareis no reino dos céus." (Mat. 5:20).

Quão longe estava Jesus de criar uma antítese entre Moisés e Sua própria redenção messiânica, aparece de novo de Suas palavras: "Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, porque dais o dízimo da hortelã, do endro e do cominho e tendes negligenciado os preceitos mais importantes da Lei: a justiça, a misericórdia e a fé; devíeis, porém, fazer estas coisas, sem omitir aquelas!" (Mat. 23:23).

Cristo diferenciou no Torah, entre assuntos "mais pesados" da lei e aqueles de importância secundária; entre seus princípios centrais da graça, fé e justiça e observâncias rituais externas. Ele não rejeitou a adoração do Templo e seus serviços sacerdotais, mas reviveu seus objetivos reconciliatórios e santificadores. "Se, pois, ao trazeres ao altar a tua oferta, ali te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa perante o altar a tua oferta, vai primeiro reconciliar-te com teu irmão; e, então, voltando, faze a tua oferta." (Mat. 5:23-24).

Os pré-requisitos que Jesus estimulava para entrar no Reino de Deus parecem ser completamente os mesmos requerimentos sacerdotais exigidos no velho concerto para entrada no santuário (Sal. 15).

Em Mat. 5, Jesus indicou seis vezes que Moisés e o Torah deviam ser entendidos positivamente como motivados pelo amor a Deus e ao semelhante. Assim, Jesus corrigiu as interpretações superficiais e inadequadas dos escribas e fariseus. Desse modo, Jesus deu aos Judeus Seu Torah Messiânico. Finalmente, Cristo explanou como o amor do Pai celestial, fluindo imparcialmente para ambos os bons e os maus, é um perfeito amor que deve ser imitado ou refletido pelos verdadeiros filhos de Deus. "Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem; para que vos torneis filhos do vosso Pai celeste, porque ele faz nascer o seu sol sobre maus e bons e vir chuvas sobre justos e injustos. Porque, se amardes os que vos amam, que recompensa tendes? Não fazem os publicanos também o mesmo? E, se saudardes somente os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem os gentios também o mesmo? Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste." (Mat. 5:43-48).

Do contexto, se torna claro que Jesus não Se dirige aos gentios que não conheciam a Moisés e o concerto, mas aos filhos de Israel que conheciam a Deus como o seu Pai celestial. Eles foram tratados como filhos salvos de Deus: "Vós sois o sal da terra." "Vós sois a luz do mundo." (v. 13,14).

A experiência redentiva de Israel é definitivamente pressuposta.

Aqueles que têm testado o gracioso amor de Deus são agora chamados por Jesus para manifestar esse amor redentivo a seus semelhantes, mesmo a seus inimigos. Como filhos de Deus, eles não podem senão seguir em Seus passos e revelar Seu espírito.

A ordem de Cristo a Seus discípulos de que eles sejam tão perfeitos quanto o seu Pai celestial é desse modo, tanto uma promessa como um dever, um dom e uma demanda. Isto não é um ideal que no melhor se consegue apenas uma aproximação, mas nunca atingido. Pelo contrário, perfeição cristã implica numa experiência pessoal do amor salvador do Deus de Israel e a manifestação de seu poder santificador em amor sincero a todos os que necessitam de nossa ajuda.

Este amor, disse Jesus, não é uma perfeição inatingível, mas uma realidade que "deve" ser experimentada e radiada aqui e agora pelos filhos do Pai celestial. Aqueles que são amados por Deus podem e irradiarão este amor a seus semelhantes, mesmo quando os semelhantes sejam hostis, inimigos. Este perfeito amor, ou amor de todo o coração, é perfeição em ação. Esta perfeição do Evangelho é o reavivamento dos princípios do perfeito amor como proclamado por Moisés e os profetas (Deu. 6:5; Lev. 19:18).

Mateus 19:21

O segundo uso da palavra "perfeito" (teleios) por Mateus, aparece em Mat. 19:21: "Disse-lhe Jesus: Se queres ser perfeito, vai, vende os teus bens, dá aos pobres e terás um tesouro no céu; depois, vem e segue-me."

Enquanto o Sermão do Monte enfatizava a básica harmonia e continuidade do Velho e o Novo Concertos, Mateus também deseja revelar por que a fé cristã e o judaísmo rabínico divergem. A história do príncipe jovem rico pode ser vista como o encontro crucial do Farisaico Judaísmo e Jesus Cristo. Para a sincera pergunta do príncipe: "Que farei eu de bom, para alcançar a vida eterna?", Cristo referiu-lhe primeiro as Santas Escrituras e o concerto de Deus: "Se queres... entrar na vida, guarda os mandamentos." (Mat. 19:17).

Quando o jovem finalmente asseverou: "Tudo isso tenho observado; que me falta ainda?" (Mat. 19:20), ele revelou uma necessidade de segurança pessoal de salvação. Faltava-lhe a experiência redentiva do amor perdoador de Deus como oferecido nas Escrituras e no serviço do Templo. Em realidade, portanto, ele não tinha observado o Torah, desde que ele não tinha conhecimento do seguro amor salvador de Deus. Cristo, contudo, ofereceu-lhe o que lhe faltava por um direto chamado para estar com Ele e participar de Sua comunhão salvadora: "Se queres ser perfeito, vai, vende os teus bens, dá aos pobres e terás um tesouro no céu; depois, vem e segue-me." (Mat. 19:21).

O teste crucial não foi a venda de suas posses, mas se o príncipe rico aceitaria a Jesus de Nazaré como o Messias Salvador a ser seguido e desejaria isso acima de todos os tesouros terrestres. O príncipe judeu fora ensinado a amar a Yahweh de todo o seu coração e toda a sua alma. Agora Jesus reivindicava este supremo amor do jovem, prometendo-lhe que ele seria "perfeito" se ele seguisse a Jesus como o Filho de Deus e O aceitasse como o seu Salvador e Senhor pessoal.

De acordo com Jesus, consequentemente, perfeição existe não em praticar atos de sacrifício próprio pelo próximo, mas no companheirismo de Cristo, seguindo Seus passos na comunhão com Ele. O teste real para o líder judeu não foi se ele estava disposto a dar abundantemente para os pobres, mas se ele aceitaria Jesus como a última autoridade a ser seguida e o Senhor divino de seu coração.

Recusando este chamado de Cristo, o príncipe revelou que suas "muitas propriedades" eram o mais alto tesouro de seu coração. Suas posses funcionavam como um ídolo de que Cristo tinha que libertá-lo, a fim de lhe dar sua própria comunhão e reino.

Perfeição então, não é a luta por ideais éticos ou mesmo o esforço para imitar ou copiar a vida de Cristo independente dEle, mas é pertencer a Ele com inteiro e não dividido coração, e vivendo com Ele por Seu poder salvador e santificador.

Como a perfeição é requerida de cada discípulo de Cristo conforme Mat. 5:48, não exatamente de algum grupo especial dentro da Igreja, todo crente cristão é colocado basicamente diante do mesmo teste, como o príncipe jovem rico: renunciar cada tesouro pessoal ou ídolo a fim de seguir a Jesus Cristo com um coração completo, não dividido. Cristo deseja possuir o coração de cada cristão e transformá-lo em um templo em que o Espírito Santo possa habitar e governar com perfeito amor. Para tal, Ele prometeu a salvação final: "Bem-aventurados os limpos de coração, porque verão a Deus." (Mat. 5:8). Assim, a perfeição cristã é definida não pelo viver de alguém de acordo com a Lei moral, mas por pertencer e seguir ao Senhor Jesus Cristo com um coração puro. Tais pessoas "seguem o Cordeiro por onde quer que Ele vá" (Apo. 14:4).

Autor: Hans K. LaRondelle




Pr. Cirilo Gonçalves

Evangelista da IASD - AP,SP

Doutorando em Teologia

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quarta-feira, 8 de abril de 2015

PERFEIÇÃO HUMANA NO ANTIGO TESTAMENTO


PERFEIÇÃO HUMANA NO ANTIGO TESTAMENTO

A. O Concerto da Graça Restauradora

Uma das questões que sempre tem assombrado a raça humana desde que ela conheceu a história de Adão e Eva no Paraíso é: Como poderia o homem reconquistar o Paraíso? Como poderia o homem atingir a perfeição sem pecado?

Muitas diferentes filosofias e sistemas religiosos conflitantes têm sido projetados para atender ao anseio inerente do homem por buscar uma vida mais elevada, perfeita. Nosso propósito específico é investigar a resposta inspirada oferecida no antigo Israel e registrada no Antigo Testamento.

Moisés e todos os profetas começaram da pressuposição religiosa de que o homem foi criado por seu Criador à imagem de Deus, à Sua semelhança (Gên. 1:26), e então foi colocado no belo Jardim do Éden com o privilégio de ter comunhão com Deus e governar o mundo como representante de Deus (Gên. 2; Sal. 8).

O homem não foi criado para viver para si mesmo ou para o mundo, tentando achar significado ou perfeição em si mesmo ou na humanidade. Perfeição original do homem era a perfeita relação com seu Criador-Pai que lhe deu Seu mandato e missão para o mundo. Esta dimensão religiosa do homem como criatura recebeu um símbolo concreto no descanso de Deus no sétimo dia da Semana da Criação (Gên. 2:2-3). A celebração da obra da Criação de Deus no sétimo dia deu significado e direção à vida e pensamento do homem. A adoração de Deus como Criador deu-lhe verdadeira dignidade e liberdade ao homem. O homem estava livre da escravidão da auto-deificação e de imaginários deuses na natureza.

Conhecendo seu Criador, o homem podia conhecer-se a si mesmo. O homem não pode conter o significado da vida em si mesmo. Isto não pode ser achado na natureza ou no mundo ao seu redor.

O dia de Sábado foi designado especificamente para apontar ao homem a Deus como a fonte de sua nobreza e destino: ser um filho de Deus, seu Pai. Não foi no Sábado, mas no sexto dia que o homem foi criado – um fato impressionante e significativo. Embora ele pudesse ser chamado a obra prima da Criação, a perfeição do homem foi dada no sétimo dia, o dia de adoração e louvor. Entrando no repouso de Deus do sétimo dia como filho e participante festivo de Deus, regozijando-se na perfeita obra do Pai, o homem receberia a alegria da santidade e perfeição de seu Benfeitor.

Sem a adoração do Criador, o homem é escravo para adorar um outro deus, um ídolo de sua própria fabricação. A miséria do homem moderno secularizado é que ele nem mesmo compreende sua auto-deificação e auto-adoração.

Israel foi escolhido como o único povo que conhecia a soberania do Criador como seu Deus Redentor, que lhes deu um único modo de adoração e missão no mundo.

O centro da adoração de Israel era o santuário e seu sagrado culto expiatório. É desse centro cúltico que nós temos que entender o livro dos Salmos que fala de apenas dois grupos ou classes de pessoas: o justo e o ímpio. Quem são estes justos ou perfeitos, quando contrastados com os ímpios ou malfeitores nos hinos do templo de Israel? São essas classes moralmente definidas de tal modo que os salmistas poderiam qualificar um certo tipo de pessoas como moralmente perfeitas e as outras como moralmente ímpias?

O aspecto moral ocupa um largo papel na descrição de ambas as partes. Contudo, os poetas dos Salmos penetram através de todas qualificações morais, apontando a fonte de toda a vida moral. A relação com o Deus vivente determina a qualidade do coração e vida de alguém. Esta relação espiritual com Deus vem do Deus de Israel, e é estabelecida por Ele no serviço do santuário. Não os desejos pios, os sentimentos, as orações; somente o ato de aceitação de Yahweh através do sacerdote levítico pode declarar um adorador arrependido como "justo", livre de culpa. "O sacerdote, por essa pessoa, fará expiação do seu pecado que cometeu, e lhe será perdoado." (Lev. 4:35).

Isto não implica que o sacerdote perdoasse em sua própria autoridade, de acordo com o seu próprio gosto. O sacerdote era o representante apontado do Deus de Israel. Deus mesmo permanecia o soberano Senhor que realmente perdoava os pecados confessados, pela causa de Seu próprio nome. A tendência de Israel em confiar nos sacerdotes levíticos e nos seus sacrifícios de animais para o perdão era contestada por Deus com enfáticas censuras: "Eu, eu mesmo, sou o que apago as tuas transgressões por amor de mim e dos teus pecados não me lembro." (Isa. 43:25).

A Lei de Moisés ensinava explicitamente que não era Israel quem dava o sangue expiatório sobre seus altares a Deus, mas pelo contrário, dizia: "Eu vo-lo tenho dado sobre o altar, para fazer expiação pela vossa alma, porquanto é o sangue que fará expiação em virtude da vida." (Lev. 17:11).

Esta era a revelada e única doutrina do serviço do santuário de Israel, separando-o de todas os cultos religiosos gentílicos que eram baseados no princípio da salvação pelas obras. Israel era fundamental-mente diferente de todas as outras nações em sua origem e missão, sua adoração e teologia. A causa disto não devia ser procurado em qualquer superioridade ou virtude da raça em si mesma, mas exclusivamente em Deus que escolheu a este povo, em fidelidade às Suas próprias promessas feitas aos patriarcas.

Eles foram chamados para ser santos, por causa que Yahweh era santo (Lev. 11:45). O Senhor os tinha escolhido para serem o seu povo peculiar, "um povo para a Sua própria possessão" (Deut. 7:6). Constantemente, Israel estava em perigo de mal entender o propósito gracioso de sua eleição por pensar: "Por causa da minha justiça é que o SENHOR me trouxe a esta terra para a possuir" (Deut. 9:4). Contudo, a despeito de sua teimosia, rebelião e apostasia do Senhor durante 40 anos no deserto, Ele renovou o Seu concerto e imutável amor para com Israel, apelando com renovada força: "Agora, pois, ó Israel, que é que o SENHOR requer de ti? Não é que temas o SENHOR, teu Deus, e andes em todos os seus caminhos, e o ames, e sirvas ao SENHOR, teu Deus, de todo o teu coração e de toda a tua alma, para guardares os mandamentos do SENHOR e os seus estatutos que hoje te ordeno, para o teu bem?" (Deut. 10:12-13).

Tendo sido provado uma perfeita redenção pela graça unicamente, Israel estava agora sob a santa obrigação de render perfeita gratidão e obediência a seu Redentor em resposta. Então, a obediência moral de Israel seria motivada por gratidão pela libertação, perdão e glorioso futuro recebidos. A ética de Israel era portanto, condicionada e enraizada em sua redenção pela graça de Deus. O concerto que Deus fez com Israel no monte Sinai, exatamente como o Seu concerto com Abraão, era um concerto de graça, de perdoadora graça através do serviço do santuário, dirigido pela esperança de paz na Terra Prometida.

Enfaticamente, Moisés tentou ensinar a Israel esta estrutura de graça redentora como a exclusiva motivação para a verdadeira e aceitável obediência. Na fronteira da Terra Prometida, ele reiterou esta ordem indicada de redenção-moralidade.

"Falou mais Moisés, juntamente com os sacerdotes levitas, a todo o Israel, dizendo: Guarda silêncio e ouve, ó Israel! Hoje, vieste a ser povo do SENHOR, teu Deus. Portanto, obedecerás à voz do SENHOR, teu Deus, e lhe cumprirás os mandamentos e os estatutos que hoje te ordeno." (Deut. 27:9-10).

Esta ordem divina era especificamente enfatizada nos próprios Dez Mandamentos, os quais começam com a lembrança: "Eu sou o SENHOR, teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão. Não terás outros deuses diante de mim." (Êxo. 20:2-3). A grande Lei moral de Israel constitui assim a santa vontade de um Redentor para um povo redimido a fim de guardar e santificar Seu povo dentro da recebida redenção. Amor grato de um povo salvo, então, seria a única e verdadeira condição aceitável para o cumprimento desta Lei de Deus. Ademais, o segundo mandamento também lembra desta motivação do amor: "Faço misericórdia até mil gerações daqueles que me amam e guardam os Meus mandamentos." (Êxo. 20:6).

Não admira que perfeito amor a Deus é exaltado constantemente como a específica raiz da adoração e da vida moral de Israel. "Ouve, Israel, o SENHOR, nosso Deus, é o único SENHOR. Amarás, pois, o SENHOR, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de toda a tua força." (Deut. 6:4-5).

O requerimento de tal amor totalitário e exclusivo a Deus se torna compreensível somente quando nós consideramos a situação histórica e o contexto em que esta reivindicação de Deus sobre Israel foi feita. Este apelo por um perfeito amor de Israel foi feito após Israel ter experimentado o perfeito amor e graça de Deus em Sua grande salvação do Êxodo. Esta era a resposta, a grata entrega de um povo salvo a seu amante Salvador, que o Senhor esperava e justamente ordenava para o Seu povo.

O rei Davi foi considerado como o grande exemplo para os governantes teocráticos de Israel, porque "Davi... guardou os Meus mandamentos e andou após Mim de todo o seu coração, para fazer somente o que parecia reto aos Meus olhos" (1Reis 14:8; ver também 1Reis 9:4).

Como perfeito amor renderia perfeita obediência aos Mandamentos de Deus por Sua graça aparece novamente na bênção do rei Salomão: "Seja perfeito o vosso coração para com o SENHOR, nosso Deus, para andardes nos seus estatutos e guardardes os seus mandamentos, como hoje o fazeis." (1Reis 8:61).

Incansavelmente, Deus estava procurando por aqueles que respondiam ao Seu atrativo amor e inclinavam os seus corações e vida completamente, perfeitamente a Ele. "Porque, quanto ao SENHOR, seus olhos passam por toda a terra, para mostrar-se forte para com aqueles cujo coração é totalmente dele." (2Crô. 16:9).

B. A Consciência de Pecado nos Salmos de Israel

Os 150 salmos foram todos usados como hinos cúlticos cantados pelos coros com acompanhamentos instrumentais no templo de Jerusalém. Muitos deles foram compostos por Davi em sua juventude quando ele ainda era um pastor nos montes da Judéia. Cantando seus hinos como orações, ele usava uma harpa como seu instrumento musical.

Mais tarde, um grande número de canções de Davi foram incorporados no culto do Templo oficial como o verdadeiro e legítimo meio de adoração e comunhão com Deus (Nee. 12:24). No cânon da Escritura estas e outras canções foram finalmente aceitas como efetivas e inspiradas orações, exemplares para todos os que adoravam em espírito e em verdade na cidade de Jerusalém.

Uma característica emoção dos salmos bíblicos que fica acima de toda a beleza literária e ascético prazer é o senso de contrição e uma consciência despertada de pecado. Isto relembra a consciência profética dos pecados de Judá e Israel quando contrastados com a revelação da santidade divina e pureza moral. Pecado e santidade são corolários contrastantes. Um profundo senso de um relaciona-se necessariamente com um grande conceito da outra. Contudo, ambas idéias não são tanto conceitos intelectuais ou puramente éticos, como são revelações divinas ao coração e à consciência do adorador que recebe um lampejo da realidade do Deus de Israel.

Compositores como Davi, Asafe o levita, e outros tinham uma experiência pessoal e viva com Deus, a quem adoravam como o Criador do mundo e Redentor de Israel. Salmo 78 e 105-107 revelam um claro conhecimento do Torah de Moisés, lembrando sua mensagem com dramático apelo e fervor religioso.

Os salmos despertavam Israel para a sua única herança, erguendo-o de sua natural apatia e letargia, e estimulam o adorador à renovada experiência do coração para o temor do Senhor. Eles fazem isso exibindo a verdadeira natureza do pecado e culpa de um lado, e de justiça e perfeição de outro lado.

Como podem os poetas do templo religioso cantar sobre a perfeição ou justiça do homem, quando eles têm tão profunda consciência da pecaminosidade humana? Um olhar em dois salmos nos ajudará a responder a esta questão.

Salmo 19

"Quem há que possa discernir as próprias faltas? Absolve-me das que me são ocultas. Também da soberba guarda o teu servo, que ela não me domine; então, serei irrepreensível e ficarei livre de grande transgressão." (Salmo 19:12-13). Tendo confessado a glória do Criador como brilha de Suas obras da Criação, o salmista continua a reconhecer a maior glória de Yahweh, brilhando de Seu Torah em luz salvadora para o povo do Seu concerto. O Torah era experimentado pelo verdadeiro israelita como uma fonte de alegria redentora, "mais desejáveis do que ouro, ... mais doces do que o mel" (v. 10). Isso estimulava o crente à resposta moral de andar com seu santo Deus, escolhendo seu caminho abençoado, e afastar-se da estrada da desobediência.

"Além disso, por eles se admoesta o teu servo; em os guardar, há grande recompensa." (v. 11). Considerando as reivindicações da Infinita Pureza, Davi compreendeu que nem a Natureza nem o Torah como tal poderiam salvar sua alma no julgamento. Conhecendo os olhos perscrutadores do Senhor que pesa os motivos internos do coração de cada homem (1Crô. 28:9), Davi sentiu a pecaminosidade de seu ser que excedia todo o senso das transgressões cerimoniais ou atos pecaminosos. Ele entendeu o pecado primariamente como uma atitude rebelde e um ato contra Yahweh (Sal. 41:4; 51:4). O verdadeiro discernimento do mal e da compreensão do pecado não era o resultado de reflexões éticas, mas o dom da revelação do santo Deus do concerto. Considerando o seu coração diante de Deus, Davi moveu-se a uma confissão sincera de sua própria impotência moral, orando pela graça perdoadora: "Quem há que possa discernir as próprias faltas? Absolve-me das que me são ocultas." (Sal. 19:12).

Este longo alcance de consciência de pecado era o característico específico religioso da adoração de Israel. O adorador compreendia diante do seu santo Deus que ele era pecaminoso na essência do seu ser e não podia mesmo determinar um adequado auto-conhecimento. Em contraste com toda a filosofia religiosa grega, que sempre começava com a ordem "Conhece-te a ti mesmo!", a maneira israelita de auto-conheci-mento começava com o conhecimento de Yahweh, o Doador da vida. "Pois em ti está o manancial da vida; na tua luz, vemos a luz." (Sal. 36:9). "Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração, prova-me e conhece os meus pensamentos; vê se há em mim algum caminho mau e guia-me pelo caminho eterno." (Sal.139:23-24). "Examina-me, Senhor, e prova-me; sonda-me o coração e os pensamentos." (Sal. 26:2).

O salmista sabia que Yahweh estava pesando os mais profundos motivos e desejos do seu coração em uma balança celestial e que Ele agiria de acordo com ela. "Se eu no coração contemplara a vaidade, o Senhor não me teria ouvido." (Sal. 68:18). Ele sabia que a observância meticulosa de todos os cultos cerimoniais, a guarda dos sábados e festas, o cantar de orações rituais seriam uma demonstração objetável de piedade se a fonte do coração não estava purificada pelo Espírito de Yahweh. "Lava-me completamente da minha iniqüidade e purifica-me do meu pecado... Cria em mim, ó Deus, um coração puro e renova dentro de mim um espírito inabalável... Restitui-me a alegria da tua salvação e sustenta-me com um espírito voluntário... Sacrifícios agradáveis a Deus são o espírito quebrantado; coração compungido e contrito, não o desprezarás, ó Deus." (Sal. 51: 2,10,12,17).

Perdão divino pressupõe uma verdadeira, sincera contrição, sentindo o peso do pecado e uma disposição para obedecer a Deus com alegria. O profeta considera isto como um assunto de vida ou morte: "Vinde, pois, e arrazoemos, diz o SENHOR; ainda que os vossos pecados sejam como a escarlata, eles se tornarão brancos como a neve; ainda que sejam vermelhos como o carmesim, se tornarão como a lã. Se quiserdes e me ouvirdes, comereis o melhor desta terra. Mas, se recusardes e fordes rebeldes, sereis devorados à espada; porque a boca do SENHOR o disse." (Isa. 1:18-20; ver também Deut. 28:47).

A oração de Davi de súplica em Sal. 19:12 considera o peso do pecado à luz dos olhos de Deus; portanto, ele avalia a graça divina muito altamente. Tendo pedido pela graça perdoadora de Deus, Davi continua orando pela graça mantenedora, pelo poder que restringe os impulsos pecaminosos: "Também da soberba guarda o teu servo, que ela não me domine; então, serei irrepreensível e ficarei livre de grande transgressão." (Sal. 19:13).

O que são pecados da "soberba"? Eles são distinguidos de faltas escondidas ou inconscientes no verso 12. Estes dois tipos de pecado – de soberba ou inconsciência – são identificados claramente na Lei levítica, particularmente em Núm. 15. O santuário abria o caminho para o perdão sacerdotal dos pecados de ignorância, que são pecados cometidos involuntariamente, sem o pleno conhecimento de seu significado diante de Deus, e após sério arrependimento dele. Arrependimento era o critério decisivo, implicando confissão e o abandono do pecado, como afirmado no livro de Provérbios: "O que encobre as suas transgressões jamais prosperará; mas o que as confessa e deixa alcançará misericórdia." (Pro. 28:13). Pecados de presunção, conseqüentemente são todos classificados diferentemente: "Mas a pessoa que fizer alguma coisa atrevidamente, quer seja dos naturais quer dos estrangeiros, injuria ao SENHOR; tal pessoa será eliminada do meio do seu povo, pois desprezou a palavra do SENHOR e violou o seu mandamento; será eliminada essa pessoa, e a sua iniqüidade será sobre ela." (Num. 15:30-31).

Pecado cometido "com a mão levantada" (versão Corrigida) significa não uma queda acidental no pecado, mas uma entrega ao pecado em uma atitude de desafiar a autoridade de Deus. Então, o pecador deliberadamente peca após ter recebido o "pleno conhecimento da verdade" (Heb. 10:26). Consciente e voluntariamente ele despreza a palavra revelada de Deus. Característica desse tipo de pecado é a ausência de qualquer verdadeiro arrependimento, posteriormente quando o pecado é acariciado e justificado.

Números 15: 32-36 apresenta um exemplo deste tipo de atitude pecaminosa. Um homem desafiou o prévio mandamento de Deus para guardar o Sábado do Senhor como um dia de solene repouso. "Portanto, guardareis o sábado, porque é santo para vós outros; aquele que o profanar morrerá; pois qualquer que nele fizer alguma obra será eliminado do meio do seu povo. Seis dias se trabalhará, porém o sétimo dia é o sábado do repouso solene, santo ao SENHOR; qualquer que no dia do sábado fizer alguma obra morrerá." (Êxo. 31:14-15). Mostrando o seu desprezo pela Lei de Deus, um homem se aventurou em aberta rejeição da vontade revelada de Deus, ajuntando lenha no Sábado. Por veredito divino este homem rebelde devia morrer. Ellen G. White explana isto: "O ato deste homem foi uma violação voluntária e deliberada do quarto mandamento - pecado este não cometido por inadvertência ou ignorância, mas por presunção." (Patriarcas e Profetas, 409).

O Torah, portanto, define presunção como um desafio à autoridade de Deus, um desprezo da obediência às ordenanças divinas (Deut. 17:12). Não há provisão de expiação ou perdão para tal pecado, desde que então o pecado seria desculpado ou basicamente eternizado (ver 1Sam. 3:14; Isa. 22:14; Jer. 7:16).

Isto não implica em que seres mortais podem determinar quando um pecado de presunção está sendo cometido. Quem pode discernir os motivos do coração de um homem? Jeremias nos lembra: "Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e desesperadamente corrupto; quem o conhecerá? Eu, o SENHOR, esquadrinho o coração, eu provo os pensamentos; e isto para dar a cada um segundo o seu proceder, segundo o fruto das suas ações." (Jer. 17:9-10). Sentindo sua grande necessidade do poder salvador e santificador, ele portanto, ora: "Cura-me, SENHOR, e serei curado, salva-me, e serei salvo; porque tu és o meu louvor." (Jer. 17:14).

Por esta dupla graça Davi orou no Salmo 19: 12-13. Não somente perdão ele procurava, mas uma vida santificada sob a graça prevalecente de Deus. Ele pediu por ambas estas coisas: pelo apagar de sua culpa e a subjugação dos poderes do mal que lutam pelo domínio. Então ele cria, ele seria um servo justo de Yahweh, sua "Rocha e Redentor". "Então, serei irrepreensível e ficarei livre de grande transgressão." (Sal. 19:13).

Assim, o Salmo 19 declara que perfeição humana não é o cultivo de alguma inerente bondade na natureza do homem, mas o persistente andar em dependência do perdão e graça mantenedora de Yahweh. Perdão divino restaurou Israel na abençoada e perfeita comunhão com Yahweh. Embora culpa e pecado possam ser distinguidos, o Antigo Testamento nunca separa culpa do ato ou vida de pecado. Conseqüentemente, perdão também possui uma relação sobre a vida moral. O poder dominante do pecado é quebrado, quando Deus mesmo governa supremo. Esta perfeição é tanto um dom quanto um requerimento do concerto de Deus com Israel.

Um homem pode inadvertidamente cair em um pecado, uma transgressão da Lei do concerto, mas isto não o separa de Deus ou de Seu povo. O serviço do santuário provia reconciliação para o arrependido adorador pelos meios do sangue da expiação sobre o altar (Lev. 4). Não havia perfeição sem expiação cúltica no concerto de Deus com Israel.

Qualquer perfeição moral que uma voluntária obediência a Deus pudesse desenvolver, nunca podia ser relacionada com um sentimento de santidade ou justiça própria. A experiência de um contrito coração e um espírito humilde apenas aumentariam em intensidade se o santo Yahweh habitasse mais e mais no suplicante adorador. "Porque assim diz o Alto, o Sublime, que habita a eternidade, o qual tem o nome de Santo: Habito no alto e santo lugar, mas habito também com o contrito e abatido de espírito, para vivificar o espírito dos abatidos e vivificar o coração dos contritos." (Isa. 57:15).

Salmo 15

No Salmo 15, nós encontramos de novo perfeição (tamîm). Desta vez é o pré-requisito moral para entrar no templo e desfrutar da proteção e bênção de Yahweh. "Quem, SENHOR, habitará no teu tabernáculo? Quem há de morar no teu santo monte? O que vive com integridade, e pratica a justiça, e, de coração, fala a verdade" (Sal. 15:1, 2).

Soa estranho ouvir que perfeição é o pré-requisito para adoração de Yahweh e recebimento de Sua graciosa comunhão. Não é a perfeição o próprio dom a ser procurado e recebido no santuário? Como então pode a perfeição ser uma condição para a participação da adoração de Israel?

Para achar o próprio escopo do Salmo 15, precisamos buscar a mais ampla perspectiva de todo o Torah. Moralidade não era a base da eleição de Deus a Israel (Deut. 7-9). A grande salvação histórica do Êxodo e o concerto subsequente com Israel no Sinai foram dons reais de Yahweh, dados por Sua graça somente, em fidelidade às promessas de Deus aos patriarcas. O próprio nome do Deus de Israel, Yahweh, denota-O como o gracioso e fiel Deus do concerto.

O Salmo 15, começa com uma questão suplicante: "Quem, SENHOR, habitará no teu tabernáculo?"; portanto, pressupõe imediatamente o concerto da graça expiatória. Tanto a Lei como o Santuário eram dons do concerto de Deus, provendo uma contínua expiação para Israel, a presença permanente do santo amor de Deus. O ministério sacerdotal da graça perdoadora não intentava perdoar a culpa no abstrato. Pelo contrário, ele intentava tirar os pecados, tanto no aspecto da culpa, como em seu real domínio na conduta do homem (ver acima sobre o Sal. 19).

De acordo com isto, era prerrogativa e dever de Israel andar com Deus e com seus semelhantes em uma nova obediência à vontade de Deus. Os poderes divinos da graça redentora, como manifestados na libertação de Israel do Egito, a casa da escravidão, estavam disponíveis a partir daí no serviço sacerdotal do santuário. O propósito da festa anual da Páscoa era para renovar e continuar a redenção graciosa e comunhão do concerto com Yahweh, para dar a Israel uma renovada e vívida participação na salvação histórica do Êxodo. A mesma graça era oferecida por Deus diariamente no santuário. Contudo, era a santa graça que purificava da injustiça e impiedade, transformando o coração do adorador.

"Continua a tua benignidade aos que te conhecem, e a tua justiça, aos retos de coração. Não me calque o pé da insolência, nem me repila a mão dos ímpios." (Sal. 36:10-11). "Porém eu, pela riqueza da tua misericórdia, entrarei na tua casa e me prostrarei diante do teu santo templo, no teu temor." (Sal. 5:7).

A ardente santidade e honra de Deus como Rei não poderiam suportar um povo profano e impuro que fosse escravizado pelo pecado ou tivesse o coração dividido. Israel deveria ser uma nação santa, uma luz para os gentios, gloriando-se não em sua sabedoria, riquezas ou poder, mas em seu conhecimento do verdadeiro Deus vivente (Jer. 9:23-24). Era seu santo privilégio andar em voluntária e alegre obediência a Deus, que incluía arrependimento, confissão e restauração.

Este novo coração necessariamente seria manifestado em fazer o que é direito de acordo ao concerto, falando a verdade do coração. Assim, o concerto da graça transformadora provia o poder motivador para uma nova conduta sócio-ética. A participação nas festas anuais é condicionada, diz o Salmo 15, pela aceitação e apropriação da salvação e graça previamente recebidas.

A recusa para arrepender-se, por rejeitar a obediência voluntária ao concerto de Deus, caracteriza o pecado como pecado de presunção. Por outro lado, o requerimento do Salmo 15 não é um senso de isenção de pecado ou um sentimento de justiça própria. Como poderia tal emoção mesmo existir em uma profunda convicção de indignidade diante de Deus?

O que o Salmo 15 requer é uma vida social e ética purificada e fiel, como apresentada nos versos 3-5: "O que não difama com sua língua, não faz mal ao próximo, nem lança injúria contra o seu vizinho; o que, a seus olhos, tem por desprezível ao réprobo, mas honra aos que temem ao SENHOR; o que jura com dano próprio e não se retrata; o que não empresta o seu dinheiro com usura, nem aceita suborno contra o inocente. Quem deste modo procede não será jamais abalado."

Este modo de vida do concerto pela graça de Deus é um perfeito andar, por causa que o coração é purificado e as mãos são limpas (v. 2). Esta mensagem também é comunicada em outro salmo de Davi: "Quem subirá ao monte do SENHOR? Quem há de permanecer no seu santo lugar? O que é limpo de mãos e puro de coração, que não entrega a sua alma à falsidade, nem jura dolosamente. Este obterá do SENHOR a bênção e a justiça do Deus da sua salvação. Tal é a geração dos que o buscam, dos que buscam a face do Deus de Jacó." (Salmo 24:3-6).

Mais forte do que o Salmo 15 aparenta aqui é o inter-relacionamento indissolúvel da experiência redentiva e da vida moral. Aqueles que buscam a Deus em oração, que diariamente O fazem Seu Senhor e Salvador, receberão bênção e vindicação divinas. Toda a vida moral é enraizada e ancorada na graciosa redenção de Deus como recebida no serviço do templo de Israel.

C. Os Inspiradores Oráculos dos Profetas

Onde quer que os sacerdotes levíticos começaram a confiar nas cerimônias dos santos rituais propriamente ditos, não vendo a mensagem divina nelas, e perdendo o incentivo e motivação para a verdadeira obediência moral ao concerto, então o serviço do santuário de Israel se tornava distorcido e objetável a Deus, e Ele reagia enviando Seus profetas com mensagens especiais para os sacerdotes e seu ritualismo objetável. Os livros proféticos do Antigo Testamento repetidamente testificam da pecaminosa negligência de Israel de andar humildemente com Deus e perfeitamente com os seus companheiros de concerto.

No século oitavo AC, o profeta Miquéias, um contemporâneo de Isaías, dirigiu-se à Jerusalém com algumas questões específicas em nome de Yahweh: "Povo meu, que te tenho feito? E com que te enfadei? Responde-me! Pois te fiz sair da terra do Egito e da casa da servidão te remi; e enviei adiante de ti Moisés, Arão e Miriã. Povo meu, lembra-te, agora, do que maquinou Balaque, rei de Moabe, e do que lhe respondeu Balaão, filho de Beor, e do que aconteceu desde Sitim até Gilgal, para que conheças os atos de justiça do SENHOR." (Miq. 6:3-5).

Miquéias desafiou o cerimonialismo morto e o materialismo pecaminoso de Jerusalém, anunciando o julgamento de destruição total da cidade santa e seu Templo (3:9-12). Contudo, esta mensagem de julgamento implicava no apelo divino para o arrependimento e retorno Deus de todo coração e alma. O profeta relembrou à escolhida nação de sua grande redenção do Êxodo. Relembrou os atos justos e salvadores de Yahweh! Isto poderia desmascarar todos os atos rituais como um esforço para expiar seus pecados como uma tentativa fútil. Até mesmo o sacrifício de um primogênito não poderia tirar o pecado! "Com que me apresentarei ao SENHOR e me inclinarei ante o Deus excelso? Virei perante ele com holocaustos, com bezerros de um ano? Agradar-se-á o SENHOR de milhares de carneiros, de dez mil ribeiros de azeite? Darei o meu primogênito pela minha transgressão, o fruto do meu corpo, pelo pecado da minha alma? Ele te declarou, ó homem, o que é bom e que é o que o SENHOR pede de ti: que pratiques a justiça, e ames a misericórdia, e andes humildemente com o teu Deus." (Miq. 6:6-8).

Com este apelo desafiador os profetas proclamaram suas mensagens de julgamento a uma nação complacente, se era Amós e Oséias no reino do norte, ou Isaías, Miquéias, Jeremias, Ezequiel, no reino do sul. Em dramáticas e emocionantes exibições eles revelaram à nação escolhida a rejeição divina de um culto religiosos formal que tolerava e desculpava o pecado. Onde o serviço sacrifical falhava em purificar à nação de injustiça social, auto-glorificação e justiça pelas obras, os profetas por ordem de Deus eram chamados para sustentar o padrão da perfeição e santidade sacerdotais.

Isaías, com seu poder e brilho poético, reitera os pré-requisitos morais originalmente sustentados pelos sacerdotes: "Os pecadores em Sião se assombram, o tremor se apodera dos ímpios; e eles perguntam: Quem dentre nós habitará com o fogo devorador? Quem dentre nós habitará com chamas eternas? O que anda em justiça e fala o que é reto; o que despreza o ganho de opressão; o que, com um gesto de mãos, recusa aceitar suborno; o que tapa os ouvidos, para não ouvir falar de homicídios, e fecha os olhos, para não ver o mal, este habitará nas alturas; as fortalezas das rochas serão o seu alto refúgio, o seu pão lhe será dado, as suas águas serão certas. Os teus olhos verão o rei na sua formosura, verão a terra que se estende até longe." (Isa. 33:14-17).

O Yahweh de Israel é um Deus santo, assim como também Ele é um Deus misericordioso e gracioso. Ele não pode e não tolerará pecado na nação escolhida por Sua graça. A ira de Deus foi derramada sobre uma Judá não arrependida através do exílio babilônico, que veio em três estágios intensificados (605, 597, 586 AC).

Após o segundo estágio (597 AC), 10.000 "todos os príncipes, homens valentes" foram levados cativos (2Reis 24:14), entre os quais estava o sacerdote Ezequiel. Os exilados judeus começaram a usar um provérbio que acusava seus pais de pecados pelo que eles tinham de levar a penalidade: "Os pais comeram uvas verdes, e os dentes dos filhos é que se embotaram?" (Eze. 18:2). Contra esta tendência de pensamento entre os cativos de Babilônia, que prevenia qualquer aceitação de culpa pessoal e portanto de verdadeiro arrependimento, Ezequiel teve que falar: "A alma que pecar, essa morrerá" (18:4).

Por outro lado, se uma alma andasse com Deus de acordo com o santo concerto, ele poderia seguramente viver. O concerto de Deus o consideraria perfeito ou "justo". Ezequiel assim coloca diante do povo do concerto no exílio os antigos requerimentos do Torah de Moisés, como ordenados originalmente pelo ministério sacerdotal (Sal.15; 24): "Sendo, pois, o homem justo e fazendo juízo e justiça, não comendo carne sacrificada nos altos, nem levantando os olhos para os ídolos da casa de Israel, nem contaminando a mulher do seu próximo, nem se chegando à mulher na sua menstruação; não oprimindo a ninguém, tornando ao devedor a coisa penhorada, não roubando, dando o seu pão ao faminto e cobrindo ao nu com vestes; não dando o seu dinheiro à usura, não recebendo juros, desviando a sua mão da injustiça e fazendo verdadeiro juízo entre homem e homem; andando nos meus estatutos, guardando os meus juízos e procedendo retamente, o tal justo, certamente, viverá, diz o SENHOR Deus." (Eze. 18:5-9).

Após uma detalhada aplicação desta ética do concerto a um pai e seu filho a fim de inculcar uma responsabilidade a Deus, a instrução terminava num clímax com um emocionante apelo a Israel para arrepender-se, à luz do quadro purificado do santo e redentivo amor de

Deus. "Portanto, eu vos julgarei, a cada um segundo os seus caminhos, ó casa de Israel, diz o SENHOR Deus. Convertei-vos e desviai-vos de todas as vossas transgressões; e a iniqüidade não vos servirá de tropeço. Lançai de vós todas as vossas transgressões com que transgredistes e criai em vós coração novo e espírito novo; pois, por que morreríeis, ó casa de Israel? Porque não tenho prazer na morte de ninguém, diz o SENHOR Deus. Portanto, convertei-vos e vivei. (Eze. 18:30-32).

Após os 70 anos de exílio em Babilônia, um novo começo foi feito quando Deus entrou em um novo concerto com o remanescente fiel após à crise. Os profetas como Ageu e Zacarias reavivaram as almas dos cativos que retornaram, comunicando mensagens de esperança, coragem e um glorioso futuro: "A glória desta última casa será maior do que a da primeira, diz o SENHOR dos Exércitos; e, neste lugar, darei a paz, diz o SENHOR dos Exércitos." (Ageu 2:9). "Assim diz o SENHOR: Voltarei para Sião e habitarei no meio de Jerusalém; Jerusalém chamar-se-á a cidade fiel, e o monte do SENHOR dos Exércitos, monte santo." (Zac. 8:3) "E há de acontecer, ó casa de Judá, ó casa de Israel, que, assim como fostes maldição entre as nações, assim vos salvarei, e sereis bênção; não temais, e sejam fortes as vossas mãos." (Zac. 8:13).

Mas o novo concerto requeria uma nova obediência: "A palavra do SENHOR veio a Zacarias, dizendo: Assim falara o SENHOR dos Exércitos: Executai juízo verdadeiro, mostrai bondade e misericórdia, cada um a seu irmão; não oprimais a viúva, nem o órfão, nem o estrangeiro, nem o pobre, nem intente cada um, em seu coração, o mal contra o seu próximo." (Zac. 7:8-10).

Deus ainda era o mesmo santo e gracioso Deus, odiando o pecado, enquanto amava o pecador. O novo serviço do santuário no templo reconstruído novamente oferecia graça perdoadora, requerendo uma vida perfeita em verdadeira obediência do coração, exatamente como antes do exílio (Jer. 31:31-33; Eze. 36:26-27).

Em uma significativa visão, Zacarias viu o sumo-sacerdote Josué em pé diante do "Anjo de Yahweh" e sendo acusado por Satanás. Josué representava os cativos de Israel que haviam retornado, "um tição tirado do fogo" (Zac. 3:2). Josué estava "trajado com vestes sujas", a iniqüidade confessada de Israel. Sob a ordem de Deus, as vestes sujas são removidas e trocadas por limpos e perfeitos trajes. Esta ação retrata vividamente a graça perdoadora de Deus. O pecado é removido, uma nova justiça ou perfeição é imputada e entregue a um novo Israel.

Contudo, perdão pressupõe culpa e condenação reais. Não obstante, o perdão significa não meramente a remoção negativa da culpa, mas positivamente – e tão justo como real – a imputação e comunicação da justiça ou perfeição. O aspecto da santificação, a nova obediência, é enfatizado como um pré-requisito específico para a final e eterna bênção.

"O Anjo do SENHOR estava ali, protestou a Josué e disse: Assim diz o SENHOR dos Exércitos: Se andares nos meus caminhos e observares os meus preceitos, também tu julgarás a minha casa e guardarás os meus átrios, e te darei livre acesso entre estes que aqui se encontram." (Zac. 3:5-7).

Zacarias tinha tornado inequivocamente claro que a graça divina obriga a uma perfeita obediência, a obediência da fé que brota de um coração recriado e voluntário. Ellen G. White fez uma aplicação particular da visão de Zacarias à tentada e provada igreja remanescente. Dela, Cristo declara: "Eles podem ter imperfeições de caráter; podem ter falhado em seus esforços; mas se arrependeram, e Eu os perdoei e aceitei." (Profetas e Reis, 589).

Quão lamentável é ler no último livro do Antigo Testamento que Israel após o exílio falhou novamente em manifestar a comunhão transformadora do concerto com Deus e a obediência da fé. Como causa principal de sua vida ética-social degenerada, Malaquias apontou a um ministério sacerdotal falido. A adoração no Templo de novo deteriorou-se a um ritualismo morto, sem o temor do Senhor – que é a tremente reverência em humilde obediência. Deus dirigiu-Se a Israel com algumas questões pertinentes ao sacerdócio em Jerusalém: "O filho honra o pai, e o servo, ao seu senhor. Se eu sou Pai, onde está a minha honra? E, se eu sou Senhor, onde está o respeito para comigo? — diz o SENHOR dos Exércitos a vós outros, ó sacerdotes que desprezais o meu nome. Vós dizeis: Em que desprezamos nós o teu nome? Ofereceis sobre o meu altar pão imundo e ainda perguntais: Em que te havemos profanado? Nisto, que pensais: A mesa do SENHOR é desprezível." (Mal. 1:6-7).

Falta do temor de Deus foi manifestado inevitavelmente em deslealdade social, em profanação do santuário, e em infidelidade da aliança matrimonial. (Mal. 2:14,16). A quebrada comunhão do concerto com Yahweh, contudo, seria restaurada uma vez mais através da específica graça de Deus. Deus mesmo tomaria a iniciativa de trazer Seu povo de volta a um novo e perfeito relacionamento de concerto com Ele. Por causa que os sacerdotes levíticos tinham se "desviado do caminho... e, por [sua] instrução" tinham "feito tropeçar a muitos", e violaram "a aliança de Levi" (Mal. 2:8), Deus enviaria um mensageiro especial ao Seu Templo. Ele refinaria e purificaria Israel até que eles trouxessem "ofertas justas ao Senhor". "Então, a oferta de Judá e de Jerusalém será agradável ao SENHOR, como nos dias antigos e como nos primeiros anos." (Mal. 3:1-4).

Este mensageiro especial viria como o profeta Elias, a fim de conduzir a nação escolhida a uma última decisão a favor ou contra Deus, preparando Israel para "o grande e terrível dia do Senhor", o Dia de Julgamento de Deus (Mal. 4:5-6): "Chegar-me-ei a vós outros para juízo; serei testemunha veloz contra os feiticeiros, e contra os adúlteros, e contra os que juram falsamente, e contra os que defraudam o salário do jornaleiro, e oprimem a viúva e o órfão, e torcem o direito do estrangeiro, e não me temem, diz o SENHOR dos Exércitos." "Então, vereis outra vez a diferença entre o justo e o perverso, entre o que serve a Deus e o que não o serve." (Mal. 3:5,18).

Assim terminou o Antigo Testamento, ou antes permaneceu aberto ao futuro, com a promessa de um novo reavivamento e reforma. Finalmente, a linha de demarcação entre o justo e o ímpio, entre os perfeitos e os impenitentes malfeitores, se tornaria clara em sua reação à mensagem de advertência final de Deus.
Autor: Hans K. LaRondelle



Pr. Cirilo Gonçalves

Doutorando em Teologia

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PERFEIÇÃO DIVINA NO ANTIGO TESTAMENTO


PERFEIÇÃO DIVINA NO ANTIGO TESTAMENTO

 Embora o Antigo Testamento repetidamente afirma que o Deus de Israel (Yahweh) é santo e justo, gracioso e misericordioso, nenhuma vez ela diz explicitamente: Deus é perfeito. Contudo, o termo "perfeito /perfeição" é usado várias vezes concernente a Deus, mas sempre referindo-se à relação de Deus com Israel. Três textos usam a palavra heb. "tãmim", (perfeito, inculpável), com respeito a Deus:

(1) Deut. 32:4: "Eis a Rocha! Suas obras são perfeitas, porque todos os seus caminhos são juízo; Deus é fidelidade, e não há nele injustiça; é justo e reto".

(2) Sal. 18:30: "O caminho de Deus é perfeito; a palavra do SENHOR é provada; ele é escudo para todos os que nele se refugiam."

(3) Sal. 19:7: "A lei do SENHOR é perfeita e restaura a alma; o testemunho do SENHOR é fiel e dá sabedoria aos símplices."

Em cada vez, estes textos revelam que os atos redentores de Deus e a instrução ao Seu povo do concerto são perfeitos: Sua obra, Seu Caminho, Seu Torah (toda a Instrução divina) são perfeitos para Israel. Deus tinha estabelecido um único e perfeito relacionamento com Seu povo escolhido através de Isaías. Ele mesmo os desafiou-os com a questão: "Que mais se podia fazer ainda à minha vinha, que eu não lhe tenha feito? E como, esperando eu que desse uvas boas, veio a produzir uvas bravas?" (Isa. 5:4).

Deus tinha redimido Israel da casa da servidão, o Egito, através dos julgamentos das dez pragas, o miraculoso secamento das águas do mar vermelho, e a completa destruição dos perseguidores egípcios – uma perfeita redenção. Ele os tinha conduzido por 40 anos no deserto rumo à Canaã, dando-lhes maná do céu e água da rocha – uma perfeita guia, provendo-lhes para todas as necessidades. Suas vestes não se rasgaram, nem os seus pés incharam durante aqueles 40 anos (Deut. 8:4) – um perfeito cuidado.

O divino Redentor tinha dado a Seu povo redimido no Sinai o Seu santo concerto, consistindo de Dez Mandamentos embutidos dentro do santuário e seu culto expiatório da graça perdoadora. O dinâmico inter-relacionamento desta grande lei moral-religiosa com a graça expiatória do santuário outorgava aos adoradores reavivamento da alma e alegria de coração. No santuário, Deus mesmo revelava Sua presença, habitando assim entre o Seu povo, e transformando o verdadeiro adorador por Seu glorioso poder. "Assim, eu te contemplo no santuário, para ver a tua força e a tua glória." (Sal. 63:2). Esta é a perfeição do Torah de Yahweh: "A lei do SENHOR é perfeita e restaura a alma." (Sal. 19:7).

O Antigo Testamento não está interessado em tentar explicar como Deus é perfeito em Si mesmo. Isso não seria de nenhum benefício ao homem. A perfeição de Deus é enfaticamente proclamada como Seu amor redentor e santa justiça para Israel. Ele é perfeito como um Deus fiel e confiável que cumpre fielmente Suas promessas salvadoras, reavivando a alma e iluminando os simples.

Quão distante é o quadro do Antigo Testamento de Deus de todo o conceito puramente filosófico acerca de Deus. O deus de Aristóteles, por exemplo, era o produto de seu próprio engenhoso pensamento, a peça coroadora de seu sistema lógico de filosofia. Seu deus era a necessária, mas abstrata idéia de puro pensamento somente, "Pensamento em si", e portanto, isento de todos os sentimentos e afeições. Todas as expressões emocionais eram consideradas como distúrbios de perfeito pensamento para Aristóteles. Seu deus era uma imagem criada pelos mais altos conceitos do homem: um deus sem paixões, amor, ira, ou intervenções na história humana.

O testemunho de Israel de Deus, dramaticamente falando e atuando como Criador-Redentor deu um quadro fundamentalmente diferente de Deus. Isso também diferiu radicalmente de todos os conceitos de Deus das nações gentílicas contemporâneas. Enquanto cada nação antiga tinha seu panteão, contendo uma pluralidade de deuses e deusas representados por estátuas e imagens de escultura, o Deus de Israel tinha explicitamente proibido a fabricação de qualquer imagem esculpidas dEle (Êxo. 20:4). Ele excedeu a todos os conceitos humanos de Deus, permanecendo o verdadeiro e soberano Deus. O Tabernáculo ou santuário de Israel não continha nenhuma imagem de Yahweh. O rei Salomão mesmo confessou em sua oração de inauguração do magnificente Templo: "Mas, de fato, habitaria Deus na terra? Eis que os céus e até o céu dos céus não te podem conter, quanto menos esta casa que eu edifiquei. "

Isaías tenta despertar Israel a uma nova visão da majestade superior de Yahweh e soberano governo, apontando a incontáveis estrelas em seus movimentos ordenados: "A quem, pois, me comparareis para que eu lhe seja igual? — diz o Santo. Levantai ao alto os olhos e vede. Quem criou estas coisas? Aquele que faz sair o seu exército de estrelas, todas bem contadas, as quais ele chama pelo nome; por ser ele grande em força e forte em poder, nem uma só vem a faltar." (Isa. 40:25-26).

Deus Se revelou a Si mesmo a Isaías em Sua incomparável santidade, uma categoria que só pode ser experimentada, e portando não pode ser achada por mero pensamento humano. Isaías experimentou a esmagadora realidade de santidade quando lhe foi dada uma visão do Santo em Sua glória celestial e ouviu os serafins cantando: "Santo, santo, santo é o SENHOR dos Exércitos; toda a terra está cheia da sua glória." (Isa. 6:3).

O encontro pessoal com o santo Deus trouxe a Isaías a súbita compreensão de sua própria inerente pecaminosidade, levando-o a exclamar: "Ai de mim! Estou perdido! Porque sou homem de lábios impuros, habito no meio de um povo de impuros lábios, e os meus olhos viram o Rei, o SENHOR dos Exércitos!" (Isa. 6:5).

Esta dramática revelação da santidade de Deus deu ao nobre profeta um novo auto-entendimento, a descoberta de sua completa indignidade quando contrastada com a infinita pureza. Contudo, esta experiência não foi o fim dos caminhos de Deus. O Senhor deu ao profeta arrependido Sua graça salvadora do Templo celestial: "A tua iniqüidade foi tirada, e perdoado, o teu pecado." (Isa. 6:7). Quão vividamente esta história ensina que o amor de Deus é santo amor, que tanto ama o pecador como também odeia o pecado! Pecado – o espírito misterioso da desobediência e independência de Deus – é incompatível com Deus.

Semelhantemente, os profetas proclamam que Deus julgará o mundo e particularmente o Seu povo escolhido em justiça. "De todas as famílias da terra, somente a vós outros vos escolhi; portanto, eu vos punirei por todas as vossas iniqüidades." (Amós 3:2). "Mas o SENHOR dos Exércitos é exaltado em juízo; e Deus, o Santo, é santificado em justiça." (Isa. 5:16). Contudo, mesmo quando Yahweh seja "tão puro de olhos que não pode ver o mal" (Hab. 1:13), a perfeição de Deus é salvar um remanescente por Sua graça, como o profeta Oséias retrata: "Como te deixaria, ó Efraim? Como te entregaria, ó Israel? Como te faria como a Admá? Como fazer-te um Zeboim? Meu coração está comovido dentro de mim, as minhas compaixões, à uma, se acendem. Não executarei o furor da minha ira; não tornarei para destruir a Efraim, porque eu sou Deus e não homem, o Santo no meio de ti; não voltarei em ira." (Osé. 11:8-9).

Assim, a perfeição de Deus é revelada em santidade, amor, e justiça na concreta realidade da história de Israel. Desse modo, a perfeição de Deus é uma perfeição em ação, objetivando a salvação do homem neste mundo.

Isto significa dedicação de Deus e vontade inteira, não dividida, fiel para salvar o homem e para santificá-lo em Sua santa comunhão. Não admira que o profeta inspirado conclama a Israel para louvar tão maravilhoso Deus, para buscar Sua força e presença, e para proclamar Seus feitos entre as nações com alegria, a fim de que todos os povos possam adorá-lO: "Rendei graças ao SENHOR, invocai o seu nome, fazei conhecidos, entre os povos, os seus feitos. Cantai-lhe, cantai-lhe salmos; narrai todas as suas maravilhas. Gloriai-vos no seu santo nome; alegre-se o coração dos que buscam o SENHOR. Buscai o SENHOR e o seu poder; buscai perpetuamente a sua presença. Lembrai-vos das maravilhas que fez, dos seus prodígios e dos juízos de seus lábios, vós, descendentes de Abraão, seu servo, vós, filhos de Jacó, seus escolhidos." (Sal. 105:1-6).

É importante notar que Moisés usa o termo "justo" (saddîq), ou "reto" (yashar) como sinônimos virtuais da perfeição de Deus (Deut. 32:4). Mais especificamente, os atos redentores de Yahweh por Israel desde o Egito são chamados "a justiça" (sidqôt) ou os justos feitos de Yahweh (Miq. 6:5; Juí. 5:11). A versão RSV traduz o sidqôt de Yahweh geralmente por "atos salvadores" ou "os triunfos do Senhor". Tais traduções são mais uma interpretação, escondendo o importante conceito hebraico da justiça de Deus, como um ato de salvação pela graça de Deus em fidelidade a Seu concerto com Israel. É verdade que a justiça de Deus também pode significar justiça de Deus como um ato de destruição ou retribuição pelo pecado. Mas estes conceitos não são contraditórios. O ato de justiça salvadora é sempre realizado em benefício do fiel povo do concerto; o ato de destruição ou justiça punitiva sobre os inimigos declarados de Israel, que ameaçavam o povo do concerto e impediam o concerto de ser cumprido em Israel.

Portanto, o piedoso israelita em tempos de estresse e opressão invoca o Deus da justiça como o meio de salvação e libertação (Sal. 31:1; 35:24; 71:2). Deus assegura ao Seu castigado povo do concerto que Ele os fortalecerá, ajudará, e os sustentará com a destra da Sua justiça (Isa. 41:10; 45:8). Assim Deus é justo quando outorga misericórdia e graça. Ele não é parcialmente justo e parcialmente gracioso, mas ambos plenamente.

A conexão entre santidade, justiça, fidelidade, firme amor e perfeição, portanto, parece ser muito íntima. Podemos dizer que a perfeição de Deus no Antigo Testamento significa que Seu caminho ou as revelações de Sua santidade, justiça e amor fiel são perfeitos. E a esta perfeição o homem é chamado a seguir e a manifestar no andar com seu Criador e Deus da aliança.

Ser criado à imagem de Deus implica a obrigação de segui-lO, refletindo Sua imagem na vida social. Assim, a Escritura conta da perfeição de Noé, Abraão, Jó, e de todos os verdadeiros israelitas: "Eis a história de Noé. Noé era homem justo e íntegro entre os seus contemporâneos; Noé andava com Deus" (Gên. 6:9). "Apareceu o SENHOR a Abraão e lhe disse: Eu sou o Deus Todo-Poderoso; anda na minha presença e sê perfeito." (Gên. 17:1; Gên. 26:5). "Havia um homem na terra de Uz, cujo nome era Jó; homem íntegro e reto, temente a Deus e que se desviava do mal." (Jó 1:1). "Porque o SENHOR Deus é sol e escudo; o SENHOR dá graça e glória; nenhum bem sonega aos que andam retamente." (Sal. 84:11). "Bem-aventurados os irrepreensíveis no seu caminho, que andam na lei do SENHOR." (Sal. 119:1). "Abomináveis para o SENHOR são os perversos de coração, mas os que andam em integridade são o seu prazer." (Pro. 11:20).


Autor: Hans K. LaRondelle

 

Pr. Cirilo Gonçalves

Doutorando em Teologia

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sábado, 4 de abril de 2015

A MENSAGEM DO TERCEIRO ANJO DE APOCALIPSE 14.9-12


A MENSAGEM DO TERCEIRO ANJO - Apocalipse 14:9-12

 

"Seguiu-se a estes outro anjo, o terceiro, dizendo, em grande voz: Se alguém adora a besta e a sua imagem e recebe a sua marca na fronte ou sobre a mão, também esse beberá do vinho da cólera de Deus, preparado, sem mistura, do cálice da sua ira, e será atormentado com fogo e enxofre, diante dos santos anjos e na presença do Cordeiro. A fumaça do seu tormento sobe pelos séculos dos séculos, e não têm descanso algum, nem de dia nem de noite, os adoradores da besta e da sua imagem e quem quer que receba a marca do seu nome. Aqui está a perseverança dos santos, os que guardam os mandamentos de Deus e a fé em Jesus" (Apoc. 14:9-12).

Esta advertência solene é dirigida a cada crente. Convoca a cada um a permanecer firme contra as ameaças de morte do anticristo, e desenvolve a mensagem do segundo anjo de que todas as nações se viram compelidas a "beber o vinho" de Babilônia (Apoc. 14:8): "Se alguém beber o vinho da ira de Babilônia, também terá que beber o vinho da ira de Deus!" O "cálice" simbólico da ira de Deus (Apoc. 14:10; 16:19) era um conceito tradicional nas profecias de juízo de Israel. O "cálice de vinho" na mão de Deus servia como o símbolo de sua justiça punitiva.

Até Israel que quebrantou o pacto teve que beber o vinho de sua ira (Jer. 25:15, 16, 17; 49:12; Ezeq. 23:31-34; Isa. 51:17, 22; Sal. 60:3; 75:8). Mas Israel experimentou a taça da ira de Deus só em forma temporária (ver Sal. 60:3; Isa. 51:22). Entretanto, alguns inimigos de Israel tiveram que beber a taça da ira até sua extinção: "Beberão, e engolirão, e serão como se não tivessem sido" (Ob. 16). "Bebei, embebedai-vos e vomitai; caí e não torneis a levantar-vos..." (Jer. 25:27; também o v. 33).

A aceitação por parte de Jesus da taça da ira divina da mão de Deus no Getsêmani pertence à essência do evangelho (Mat. 20:22; 26:39, 42). Declara E. W. Fudge: "Porque ele aceitou aquela taça, seu povo não tem que bebê-la. A taça que nos deixa [a taça da comunhão] é um recordativo constante de que ele ocupou nosso lugar (Mat. 26:27-29)".1 

Os adoradores da besta têm que beber a ira de Deus "pura" [em gr., akrátu; "sem diluir", NBE; "sem mistura", CI). Este cálice da ira já não está misturado com misericórdia. Derramar-se-á com as 7 últimas pragas (Apoc. 15:1). Isto significa que todas as pragas de Apocalipse 16 constituem uma parte integral da mensagem do terceiro anjo. Uma expressão hebraica nestes versículos tem desafiado os intérpretes:

"Será atormentado com fogo e enxofre, diante dos santos anjos e na presença do Cordeiro. A fumaça do seu tormento sobe pelos séculos dos séculos, e não têm descanso algum, nem de dia nem de noite, os adoradores da besta e da sua imagem e quem quer que receba a marca do seu nome" (Apoc. 14:10, 11).

A frase "fogo e enxofre" é parte da maldição do pacto, maldição que inclui extinção ou aniquilação (Deut. 29:23; Sal. 11:6). O juízo sobre Sodoma e Gomorra resultou em que "subia da terra fumo como fumaça de um forno" (Gên. 19:23, 28, CI). Também foi o juízo de Deus sobre Edom, um dos arquiinimigos de Israel (Isa. 30:27-33; Ezeq. 38:22):

"Os ribeiros de Edom se transformarão em piche, e o seu pó, em enxofre; a sua terra se tornará em piche ardente. Nem de noite nem de dia se apagará; subirá para sempre a sua fumaça; de geração em geração será assolada, e para todo o sempre ninguém passará por ela" (Isa. 34:9, 10).

É evidente que a mensagem do terceiro anjo em Apocalipse 14 toma sua fórmula de maldição especificamente de Isaías 34. A desolação e a extinção histórica de Edom é o modelo ou o tipo da sorte de Babilônia (ver Jud. 6, 7). A natureza deste castigo não reside em um tormento eterno como pode ver-se hoje em dia de Edom, a não ser na conseqüência eterna do fogo: "Subirá para sempre a sua fumaça" (ver Isa. 34:10 e 66:24). O fogo é inextinguível até que tenha completado sua obra. Nas palavras do E. W. Fudge: "Os ímpios morrem uma morte atormentadora; a fumaça recorda a todos os espectadores que o Deus soberano tem a última palavra. Que a fumaça sobe perpetuamente no ar significa que as mensagens de juízo nunca chegarão a ser antiquadas".2 

A maldição que diz que os que adorem à besta não terão "repouso de dia nem de noite" está tirada de uma maldição específica do pacto sobre um Israel rebelde: "Por isso, jurei na minha ira: não entrarão no meu descanso" (Sal. 95:11). Enquanto que o significado original se referia ao repouso de Israel na terra prometida, o Novo Testamento aplica o repouso prometido ao repouso da graça de Deus no qual cada crente deve entrar agora (Heb. 4:3). Este repouso divino esteve disponível desde que Deus descansou no sétimo dia da semana da criação! (Gên. 2:2, 3). "Portanto, ainda fica um descanso sabático para o povo de Deus. Porque o que 'entra em seu repouso' descansa ele também de suas obras, como Deus das suas" (Heb. 4:9, 10, JS; CI; BJ).

O castigo final será o rechaço de Deus de dar repouso aos adoradores da besta. Por outro lado, uma voz celestial anuncia que os "mortos que, desde agora, morrem no Senhor.... que descansem das suas fadigas, pois as suas obras os acompanham" (Apoc. 14:13). Esta bem-aventurança se refere aos que morrem em Cristo durante as perseguições do anticristo do tempo do fim. Sua perseverança será recompensada. A mensagem do terceiro anjo pronuncia a resposta de Deus à ameaça feita pela besta, como mostra a seguinte comparação.

 

APOCALIPSE 13:16
APOCALIPSE 14:9, 11
"A todos, os pequenos e os grandes, os ricos e os pobres, os livres e os escravos, faz que lhes seja dada certa marca sobre a mão direita ou sobre a fronte".
"Se alguém adora a besta e a sua imagem e recebe a sua marca na fronte ou sobre a mão ...  e não têm descanso algum, nem de dia nem de noite, os adoradores da besta e da sua imagem e quem quer que receba a marca do seu nome".

 

Estas correspondências temáticas e verbais entre Apocalipse 13 e 14 indicam que a tríplice mensagem de Apocalipse 14 depende de uma correta compreensão de Apocalipse 13. Entretanto, toda a informação a respeito da besta está exposta na visão do juízo de Apocalipse 17, o que significa que Apocalipse 17 constitui igualmente uma parte interpretativa essencial da mensagem de advertência de Apocalipse 14.

 

A Marca da Besta

 

Nosso tema agora é compreender o significado teológico de "a marca da besta". É a marca identificadora do culto de adoração que se rende à besta. "Não se pode ter a marca sem o ato de adoração".3 A ambição da besta-anticristo de receber adoração divina é a mentalidade de Babilônia. Seu endeusamento próprio entra em conflito com a chamada de Israel a adorar o Criador e Juiz da humanidade (Apoc. 14:7). A mensagem do terceiro anjo é o rogo do céu à humanidade para que se volte para o Criador, ao Deus do pacto do Israel, tal como está revelado nas Escrituras.

O assunto fundamental não é identificar a marca de uma maneira isolada, mas sim vê-la como um ato de adoração da besta e por isso, como uma atitude de idolatria. O terceiro anjo "indica a natureza da usurpação: a besta se apropria das prerrogativas do Deus Criador, e é adorada".4 

A usurpação das prerrogativas divinas pela besta é seguida por sua demanda para que a reconheçam por meio da "marca em sua fronte ou em sua mão" (Apoc. 14:9). Seu significado chega a ser claro quando se considera à luz do dever de Israel de atar os mandamentos e as palavras de Deus: "Ata-as à tua mão como um sinal, como um aviso ante teus olhos" (Deut. 6:8; cf. 11:18, BJ). Para Israel, seu significado espiritual era evidente: atuar e pensar em harmonia com a vontade de Deus e recordar diariamente a redenção do êxodo (ver Deut. 6:5; Êxo. 13:8, 9).*

Gerhard von Rad faz este comentário sobre o Deuteronômio 6:8: "Provavelmente temos que tratar ainda aqui com uma forma figurada de expressão que mais tarde foi entendida literalmente e levou ao uso dos chamados filactérios".5 De fato, Moisés mesmo explicou o propósito moral de atar os mandamentos de Deus a suas mãos e a suas frentes:

"O Senhor, teu Deus, temerás, a ele servirás, e, pelo seu nome, jurarás. Não seguirás outros deuses, nenhum dos deuses dos povos que houver à roda de ti, porque o Senhor, teu Deus, é Deus zeloso no meio de ti, para que a ira do Senhor, teu Deus, se não acenda contra ti e te destrua de sobre a face da terra... Diligentemente, guardarás os mandamentos do Senhor, teu Deus, e os seus testemunhos, e os seus estatutos que te ordenou" (Deut. 6:13-15, 17).

O mandamento do Senhor incluía também a observância ritual da Páscoa e o comer pães sem levedura para comemorar a libertação do êxodo:

"E será como sinal na tua mão e por memorial entre teus olhos; para que a lei do Senhor esteja na tua boca; pois com mão forte o Senhor te tirou do Egito. Portanto, guardarás esta ordenança no determinado tempo, de ano em ano" (Êxo. 13:9, 10).

Este histórico da adoração de Israel esclarece o propósito da marca da besta "na fronte e na mão" (Apoc. 20:4). A marca evoca a antítese intencional da adoração de Israel. Representa a essência de um culto falsificado como usurpação e substituição. A besta ameaça com a morte se suas ordens totalitárias são desobedecidas (Apoc. 13:15-17). Promete vida, mas só temporal, a todos os que levem sua marca. R. H. Charles comentou a respeito: "Ambos [o selo e a marca] estavam destinados a mostrar que os que levam as marcas estão sob a proteção sobrenatural: os primeiros sob a proteção de Deus; os últimos, sob a de Satanás".6 Beatrice S. Neall explica mais isto quando diz:

"No Apocalipse, o selo de Deus protege da ira de Deus (Apoc. 15:2, 3; 16:2) mas não da ira da besta (13:15, 17). De maneira similar, a marca da besta protege das sanções econômicas (v. 17) e do decreto de morte (v. 15) da besta, embora faça a seus possuidores elegíveis para receber a ira de Deus (14:9-11 )".7

Tanto Cristo como o anticristo desejam a lealdade indivisa de seus adoradores, a devoção completa de seu pensamento (a "fronte") e de seu atuar (a "mão"). O anticristo pode satisfazer-se com a marca ou na mão ou sobre a fronte, como sugere Apocalipse 13:16 e 14:9 (entretanto, ver Apoc. 20:4).

Uma diferença básica entre os sistemas rivais de adoração é que a besta emprega a coerção, enquanto que o Cordeiro emprega a persuasão. A prova final da adoração verdadeira não é crer porque há milagres, os quais podem ser enganosos (Apoc. 13:14; 19:20; Mat. 24:24), e sim crer na "Palavra de Deus e no testemunho de Jesus" (Apoc. 1:9; 6:9; 12:17; 20:4).

A verdade tanto do Antigo como do Novo Testamento é a revelação de que o Deus de Israel é o Criador Todo-poderoso e que ele ordenou o sétimo dia, no sábado, como um monumento recordativo de sua obra criadora (Gên. 2:2, 3; Êxo. 20:8-11; 31:12-17). Este mandamento da criação foi enriquecido como o sinal da redenção de Israel da escravidão (ver Deut. 5:12-15). A celebração do sábado identifica o Criador vivente que permanece fiel à sua criação (1 Ped. 4:19). Igualmente oferece a participação em sua graça redentora (ver Ezeq. 20:12, 20). Esta verdade chega a ser relevante de uma maneira especial no tempo do fim, quando o dogma da evolução veio a ser a hipótese da ciência (desde 1859). Por isso a tríplice mensagem de Apocalipse 14 assume cada vez mais relevância. Requer a celebração do sábado restaurado como "a expressão concreta da fé na criação, o sinal da dependência de um do céu... o sinal de que a salvação vem só de cima".8 

 

O Surgimento do Povo Remanescente de Deus (Apoc. 14:12)

 

No conflito entre as adorações rivais, Deus preserva os que se apegam a ele com lealdade. A mensagem do terceiro anjo conclui com uma chamada especial a perseverar na fé:

"Aqui está a paciência dos santos, os que guardam os mandamentos de Deus e a fé de Jesus" (Apoc. 14:12).

Este texto levou J. M. Ford a fazer o seguinte comentário:

"Parece que não há caminho intermediário; ou se adora a besta e está condenado, ou se aceita com paciente resistência a perseguição da besta, obedece os mandamentos de Deus, morre nele e recebe a recompensa por suas boas obras (v. 13)".9

Autores dispensacionalistas tomam aos santos de Apocalipse 14:12 como crentes judeus cuja parte não está no corpo de Cristo simplesmente porque "guardam os mandamentos de Deus". Mas isto mostra como um dogma preconcebido influi na exegese. Uma comparação de Apocalipse 14:12 com 12:17 e 1:9 demonstra que as características dos santos no capítulo 14:12 são as da igreja apostólica e as mesmas de João. A primeira epístola de João define o pecado como a transgressão da lei, como anomia ou ilegalidade (1 João 3:4). Exorta a todos os crentes cristãos a obedecer os mandamentos de Deus, incluindo o mandamento de crer em seu Filho Jesus Cristo e o mandamento de Cristo de amar-se uns aos outros (1 João 2:3-6; 3:21-24).

A ameaça final contra a vida dos santos requer uma perseverança [em gr., upomoné]. Jesus tinha mencionado esta característica como sendo essencial para o tempo do fim: "Mas o que perseverar [upomeínas] até o fim, este será salvo" (Mat. 24:13). Mas "perseverar" é o fruto da fidelidade à vontade de Deus, tanto ao evangelho como à lei de Deus. A advertência da epístola aos Hebreus também é a ter "perseverança [upomoné] para que, depois de fazer a vontade de Deus, consigam a promessa" (Heb. 10:36, CI; ver 12:1-3). A epístola aos Hebreus assinala os exemplos dos santos que viveram "por fé" [em hebreu, 'emunáh, "fidelidade"] em uma crise anterior (Heb. 10:37, 38; Hab. 2:3, 4).

 

Tiago explica que "a prova de sua fé produz paciência" e a maturidade da estabilidade (Sant. 1:3-8). Por isso anima a todos os santos dizendo: "Feliz o homem que suporta a prova! Superada a prova receberá a coroa da vida que o Senhor prometeu aos que o amam" (v. 12). Um exemplo evidente é Jó, que seguiu confiando em que Deus o vindicaria contra seus falsos acusadores (Tia. 5:11). Não entendendo por que tinha que sofrer tanto sendo inocente, Jó ainda expressou sua fé: "Eu sei que meu Redentor [ou "defensor", BJ; ou "reivindicador", CI] vive, e no fim se levantará sobre a terra" (Jó 19:25).

A última geração de crentes cristãos pode ter que suportar uma prova de fé similar a do Jó. A fé perseverante se expressa em guardar "os mandamentos de Deus e a fé de Jesus" (Apoc. 14:12, RC). Obedecem tanto à lei como à fé de Jesus em suas vidas (ver mais acima sobre Apoc. 12:17 e 19:10).

 

O Significado Bíblico do Sábado do Senhor

 

Muitos teólogos negam que o sábado seja uma ordem da criação. Insistem em que o sábado foi feito por Moisés só para a nação de Israel (Êxo. 16; Deut. 5:12-15). O assunto mais profundo que está em jogo neste debate teológico é a credibilidade do registro da criação em Gênesis 1 e 2 e seu reflexo no quarto mandamento em Êxodo 20. Um teólogo americano apresentou esta avaliação válida da origem do sábado:

"De acordo com o cânon da Escritura, a 'interpretação da criação' do sábado se afirma como teologicamente anterior à 'interpretação da redenção'. Entretanto, isto significa que o mandamento do sábado sempre é obrigatório para todos os homens, obedeçam-no ou não! Na redenção de Israel da terra do Egito não se estabeleceu o sábado pela primeira vez, mas sim se restaurou; a lei moral não foi primeiro proclamada no Sinai, mas sim ali se voltou a proclamá-la. Em conseqüência, porque a lei do sábado está fundada na ordem da mesma criação e pertence a todas as criaturas, a interpretação tradicional cristã do sábado como uma cerimônia abolida por Jesus Cristo, é incorreta".10

 

O motivo básico da tríplice mensagem de Apocalipse 14 é o da restauração! Desempenha o mesmo propósito que a chamada de Isaías a um Israel extraviado:

"Clama a plenos pulmões, não te detenhas, ergue a voz como a trombeta e anuncia ao meu povo a sua transgressão e à casa de Jacó, os seus pecados" (Isa. 58:1).

"Os teus filhos edificarão as antigas ruínas; levantarás os fundamentos de muitas gerações e serás chamado reparador de brechas e restaurador de veredas para que o país se torne habitável" (Isa. 58:12).

Para Isaías, a prova da verdadeira adoração era a restauração da justiça do pacto entre o povo de Deus. Isto significava ter amor pelos fracos (Isa. 58:6, 7) e obediência em louvar a Deus em seu "santo dia" (vs. 13, 14).

No tempo do fim, o céu suplica mais uma vez a seu povo extraviado para que faça frente ao desafio de usurpação e substituição com a chamada pela restauração e a restituição. Requer o reavivamento dos mandamentos de Deus e do evangelho de Jesus Cristo (Apoc. 14:12). Esta é a chamada final para um retorno à verdade e autoridade da Bíblia. A Escritura deve ter a última palavra para determinar a vontade de Deus. Toda certeza da verdade religiosa depende de se se aceitarem as Escrituras como a revelação autorizada da vontade de Deus. "Elas são a norma do caráter, o revelador das doutrinas, a pedra de toque da experiência religiosa".11

 

A Mensagem de Preparação para o Segundo Advento

 

As mensagens de Apocalipse 14 insistem a todos os adoradores a escutar atentamente a voz de Deus e a procurar uma compreensão melhor do evangelho e do testemunho de Jesus. Esta súplica assinala a diferença fundamental entre a Bíblia e a tradição da igreja. Insiste-nos a aceitar a responsabilidade pessoal para distinguir entre a autoridade bíblica e a autoridade da igreja, e a subordinar todos os profetas extrabíblicos à autoridade suprema da Escritura.

O assunto essencial da tríplice mensagem de Apocalipse 14 é a questão do que em última instância ata a consciência humana ante Deus! A súplica do céu em Apocalipse 14 nos recorda que a criação e a redenção não podem ser separadas, que o Redentor é o Sustentador da criação.

O sábado do Senhor nunca pode ser anulado ou mudado porque é o mandamento da criação do Criador e Redentor. É o monumento comemorativo de uma criação perfeita por parte de um Criador digno de confiança, Criador que nunca abandonará a obra de suas mãos (Sal. 138:8). Entretanto, suplica-nos que lhe respondamos como o "fiel Criador" (ver 1 Ped. 4:19).

"Bem-aventurado aquele que tem o Deus de Jacó por seu auxílio, cuja esperança está no Senhor, seu Deus, que fez os céus e a terra, o mar e tudo o que neles há" (Sal. 146:5, 6).

 

O Convite do Último Elias

 

A relação da tríplice mensagem de Apocalipse 14 com a promessa de Malaquias de que Deus enviará o "profeta Elias, antes que venha o grande e terrível dia do Senhor" (Mal. 4:5, 6), é de um significado dramático. É evidente que o último profeta do Antigo Testamento prediz uma chamada final para o reavivamento e a reforma entre o povo do pacto de Deus antes do dia do juízo apocalíptico (ver os vs. 1, 2).

Este convite corresponde em essência ao que Elias fez ao Israel: "Se Jeová é Deus, sigam-no; e se Baal, sigam-no" (1 Reis 18:21). O último convite de Deus no Apocalipse se apresenta em sua súplica a "adorar" a Deus como o Criador e a não adorar a besta nem a sua imagem (Apoc. 14:6-9).

Para compreender melhor o significado do Elias do tempo do fim, precisamos ler a narração da missão de Elias em 1 Reis 17 e 18. Malaquias exaltou a missão histórica de Elias, com sua confrontação dramática em combate com Baal no Monte Carmelo, como um tipo ou símbolo teológico para o tempo do fim. Uma análise detalhada desta correspondência tipo-antítipo da promessa de Elias em Malaquias 4 se oferece em outro lugar.12 

A medula deste tipo histórico pode compendiar-se em três pontos: (1) Elias foi enviado por Deus em um tempo de apostasia moral e religiosa em Israel (1 Reis 16:30-33; 18:18; 21:25); (2) Elias foi enviado com uma mensagem de restauração do Deus do pacto, que significava um compromisso novo de Israel com seu Deus e uma restauração de seu sagrado culto de adoração e de seus mandamentos morais (18:18, 21, 30, 31); e (3) a aceitação ou o rechaço da mensagem de Elias significava vida ou morte e, portanto, era um assunto de conseqüências eternas (ver 18:39-44).

A chave para a aplicação do tempo do fim nós a encontramos na mensagem de João Batista, porque sua mensagem em preparar o caminho para a vinda do Messias continha os fundamentos da mensagem de Elias (ver Luc. 1:11-17). Jesus reconheceu que João era o Elias da profecia mesmo que o judaísmo contemporâneo não o reconheceu (Mat. 17:10-13).

A missão de João era preparar a Israel para a vinda do Messias (João 1:23) e para "restaurar todas as coisas" (Mat. 17:11). Sua presença era o sinal visível do advento iminente do Messias (ver João 1:29; Mat. 3:10-12). João negou que ele fora uma reencarnação do Elias (João 1:21), mas afirmou que ele era a mensagem de Elias "com o fim de preparar ao Senhor um povo bem disposto" (Luc. 1:17; ver João 1:23). João foi enviado no momento correto, com uma mensagem urgente de arrependimento para despertar Israel à vontade de Deus e a sua visitação iminente. Sua mensagem criou um povo remanescente novo dentro da nação de Israel. Jesus aceitou o batismo de João e chegou a ser parte deste remanescente. Escolheu a seus primeiros apóstolos dentre os seguidores de João Batista.

A mensagem de Apocalipse 14 é a mensagem de preparação para o tempo do fim. Sua ativação cria um povo que está preparado para encontrar-se com seu Criador. Assim como Elias, são fiéis à lei do pacto original de Deus. Escolheram estar ao lado de Deus, o Criador. Tornaram seus corações ao Deus de seus ascendentes espirituais e mantêm uma continuidade com o Israel do Antigo Testamento (Mal. 4:6).

A mensagem de Elias para o tempo do fim está desenvolvido pelo Espírito de profecia em Apocalipse 14:6-12. Sua proclamação mundial será seguida pela segunda vinda de Cristo como o Rei e Juiz (ver os vs. 14-20), o que define a tríplice mensagem como a chamada a despertar com o fim de preparar um povo para a segunda vinda de Cristo. Leva à hora da decisão, da mesma maneira que Elias e João Batista levaram ao Israel apóstata a um compromisso novo com seu Senhor.

Hoje a mensagem de Elias convoca a todas as pessoas para que deixem de idolatrar a criação e que adorem o Criador (Apoc. 14:7). Uma mensagem assim é oportuna considerando o surgimento da hipótese da evolução e o triunfo da filosofia materialista. Esta chamada de Deus tem aplicações de longo alcance:

"Na exaltação do humano sobre o divino, no louvor aos líderes populares, no culto a Mamom, e na exaltação dos ensinos da ciência sobre as verdades da Revelação, multidões hoje estão seguindo a Baal".13

 

Necessita-se cada vez mais a voz de Elias em nossa civilização decadente. Reverberará por toda a sociedade e está refletida no movimento mundial de cristãos guardadores do sábado. Fizeram um compromisso com o Deus de Israel e com seu Cristo neste tempo do fim. Aceitam como seu credo a Bíblia e a Bíblia só.

 

Referências

A Bibliografia para Apocalipse 12-14, encontrará nas páginas 458-466 do livro Profecias do Fim de H. K. LaRondelle

 

1 Fudge, The Fire That Consumes, p. 296.

2 Ibid., p. 298.

3 R. H. Charles, The Revelation of St. John, t. 1, p. 360.

4 Doukhan, Daniel: The Vision of the End, p. 69.

5 Von Rad, Deuteronomy, p. 64.

6 Charles, The Revelation of St. John, t. 1, p. 363.

7 Neall, The Concept of Character in the Apocalypse with Implications for Character Education, p. 151.

8 Doukhan, Daniel: The Vision of the End, p. 71.

9 J. M. Ford, Revelation, p. 249.

10 Richardson, Toward an American Theology, p. 115.

11 Ellen White, GC 7.

12 Ver LaRondelle, Chariots of Salvation, cap. 11.
13 Ellen White, PR 170.


* Nota do Tradutor: A nota da versão Cantera-Iglesias diz que a interpretação literal de Deuteronômio 6:8 deu origem aos filactérios, "par de pequenas caixas de couro usadas ritualmente, amarradas ao braço e à testa por correias, também de couro, e que contêm trechos das Escrituras" Dic. Aurélio.


Autor do artigo: Hans K. LaRondelle


Pr. Cirilo Gonçalves
Evangelista da IASD-AP,SP
Doutorando em Teologia
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