A PROMESSA A RESPEITO DE EMANUEL
Sua capacidade
estilística é impressionante, seus recursos para criar figuras literárias nos
enleva. Sabedores de que a maior parte do seu livro foi escrito em forma de poesia, para
surpresa de alguns, ele é considerado o maior poeta do Velho Testamento.
Comentaristas
na Introdução aos Profetas, da Bíblia de
Jerusalém, o denominam de poeta genial. O brilho do estilo, a novidade das
imagens fazem dele o grande clássico da Bíblia.
Para bem
compreender o verso de Isa. 7:14, ele deve ser estudado em seu contexto
histórico, em seu problema gramatical e em suas implicações teológicas.
I – Contexto
Histórico
O livro de
Isaías tem sido dividido por alguns em duas partes:
1º) Abrangendo
39 capítulos;
2º)
Compreendendo os demais 27 capítulos.
A primeira
parte está dividida em 5 seções.
Com o
capítulo 7 começa a segunda seção, onde se descreve a aliança da Síria com o
reino de Israel (Efraim) contra Judá, no reinado de Acaz. Se a cronologia nos
informa que Acaz começou a reinar em 735 AC, estes eventos se realizaram em
734.
A Síria
governada por Rezim, e Israel administrado por Peca, o perverso assassino do
rei Pecaías, aliaram-se com o iníquo objetivo de subjugar o reino de Judá e
obrigá-lo a cooperar com eles na campanha militar contra a poderosa e agressiva
Assíria. Com a ameaça de um ataque iminente, o rei de Judá e o povo ficaram
aterrorizados e cheios de grande perturbação.
Acaz, de
personalidade tíbia e pusilânime, ferido em seu amor próprio devido à primeira
derrota frente a Peca e Rezim, cometeu a insensatez pecaminosa de pedir auxílio
ao rei assírio. Ainda mais, amedrontado, tomou a prata e o ouro da casa do
Senhor, e os tesouros da casa do rei e os enviou a Tiglate-Pileser com a
declaração vexatória: "Eu sou teu servo e teu filho; sobe e livra-me do
poder do rei da Síria e do poder do rei de Israel, que se levantam contra
mim", como nos relata II Reis 16:7-9. Diante desta situação aflitiva, Isaías
recebeu de Deus a incumbência sagrada de procurar Acaz com alguns objetivos.
1º)
Apresentar-lhe uma mensagem estimulativa da parte de Deus: "Acautela-te e
aquieta-te, não temas nem desanime o teu coração". Isa. 7:4. Em outras
palavras ele queria dizer: não há nenhuma necessidade para preocupação, já que
numa elegante metáfora, ele compara os dois reis a pedaços de tições
fumegantes, pois se outrora eram perigosos, agora seu poderio estava quase
extinto. Em sua entrevista com Acaz, o profeta procurou animá-lo, transmitindo-lhe
a seguinte mensagem: se depositasse confiança no Senhor haveria livramento.
Rezim e Peca em breve desapareceriam como bolhas de sabão.
2º) Isaías, com
seu acendrado espírito religioso, combateu tenazmente a aliança com poderes
pagãos, porque previa os males que viriam para Acaz e para o povo de Deus.
A mensagem do
profeta ao rei alarmado era de confiança em Deus, culminando com a declaração
do verso 9: "se o não crerdes, certamente não permanecereis". Nesta
afirmativa do profeta, há um notável trocadilho hebraico, que é difícil
transmitir numa tradução.
Eis algumas
tentativas para reproduzir o efeito original:
"Sem fé não há fixidez".
"Sem confiança forte não há forte de
confiança".
"Sem confiança não há permanência".
As
conseqüências de rejeitar a orientação divina são evidentes no relato sagrado:
Politicamente
Acaz se vê transformado num simples vassalo da Assíria.
Na esfera
religiosa, rejeitando a promessa de libertação que o mensageiro do Senhor lhe
oferecera, entregou-se inteiramente ao paganismo. II Reis 16:10-18.
Tanto se
afastou de Deus, que chegou a passar o seu filho pelo fogo, influenciando com seu comportamento
negativo o declínio espiritual de todo o povo. Altares pagãos foram
erigidos por toda a parte, inclusive no templo em Jerusalém, fazendo com que o
culto ao verdadeiro Deus se extinguisse.
Quando Isaías
viu, que tanto o rei quanto os seus subordinados, desprezaram a mensagem
divina, ele silenciou por algum tempo o seu ministério público.
3º) Sugeriu que
Acaz pedisse um sinal como evidência de que estava diante de um verdadeiro
profeta de Deus. Já que não crês nas palavras do profeta, pede um sinal, uma
garantia ou evidência que te as segure que Deus cumprirá a promessa de salvar o
Seu povo.
Acaz respondeu:
"Não o pedirei nem tentarei ao Senhor". Isa. 7:12.
Sua declaração
era uma saída hipócrita sob o pretexto de que guardava a lei. (Deut. 6:16)
Se tentar a
Deus é pôr Deus em uma prova, o pedir o sinal que era oferecido por Ele não
seria tentá-Lo.
A razão
primordial para rejeitar o sinal, era que ele não estava disposto a submeter-se
à vontade de Deus, ou estava receoso de que o obrigasse a alterar a política
externa que adotara.
Diante da
atitude de Acaz recusando-se a pedir um sinal, Isaías lhe diz que Deus lhe daria
o sinal.
"Eis que a
virgem conceberá, e dará à luz um filho, e lhe chamara Emanuel". Isa.
7:14.
Este sinal dado
por Deus é a demonstração mais convincente de Sua intervenção e direção na
História.
No livro A Profecia de Isaías de A. R. Crabtree,
pág, 157 há esta afirmação: "Talvez não haja outra profecia no Velho
Testamento que tenha produzido mais perplexidade e mais discussão do que estes
versículos sobre o sinal que Deus deu a Acaz".
Corrobora com
esta afirmativa Albert Barnes em Notes on
the Old Testament, vol. 8, pág. 157, ao declarar "... não existe
nenhuma profecia no Velho Testamento da qual se tenha escrito tanto, e que tem
produzido mais perplexidade entre os comentaristas do que esta".
Os versos 17 a
25 apresentam uma terrível descrição de como eles seriam assolados em virtude
da rejeição do sinal.
II – O
Problema Gramatical
Isaías 7:14 é
uma passagem extremamente difícil de ser traduzida. Temos aqui um dos mais
controvertidos problemas textuais de toda a Bíblia.
O pomo da
discórdia se encontra na palavra "almah", que tem trazido para os
intérpretes uma longa e complicada discussão.
Traduções da
Bíblia como a Septuaginta, King James Version, Almeida tanto a Revista e
Corrigida como a Atualizada a traduzem por "virgem". Outras mais fiéis
ao original hebraico como a Revised Standard Version, a de Moffatt, New English
Bible e A Bíblia de Jerusalém preferem traduzi-la por jovem ou mulher jovem.
Diante destas declarações a primeira pergunta que se levanta é esta: qual é a
tradução preferível para "almah"? Virgem ou jovem?
Afirmam alguns,
peremptoriamente, – se os tradutores da Septuaginta traduziram a palavra
"almah" para pavrdenov
– a virgem, e se não podemos descrer do conhecimento que tinham do hebraico os
que fizeram o trabalho, então não assiste nenhuma razão àqueles que insistem
que em Isa. 7:14 o termo tem que ser traduzido para uma jovem na idade de se
casar.
O traduzir de
uma maneira ou de outra sempre cria problemas: Tradicionalmente sempre se
defendeu a tradução para virgem, por ser aparentemente a única a predizer
claramente o nascimento virginal de Cristo. Mas se esta passagem é uma profecia
referente a uma criança que deveria nascer como sinal para o rei Acaz, a mãe
desta criança não poderia ser virgem porque criaria um problema de ordem
teológica. Sendo que outras traduções trazem "mulher jovem", exegetas
intervêm declarando que este procedimento elimina uma doutrina fundamental da
Bíblia, o maravilhoso nascimento virginal de Cristo.
O livro Problems in Bible Translation, nos
informa que a palavra "almah" aparece nove vezes no Velho Testamento,
mas que é difícil especificar exatamente o seu real significado. Conclui
dizendo que "almah" designa simplesmente uma "mulher jovem"
em idade de casamento, quer noiva ou não, casada ou não, virgem ou não".
Pág. 168.
O vocábulo
hebraico para virgem é "bethulah" que aparece 50 vezes no Velho
Testamento.
C. G. Tuland,
concluiu seu artigo no Ministério Adventista, março-abril de 1969, pág. 19,
explicando Isa. 7:14, da seguinte maneira: "Portanto, não parece ser
justificável traduzir "almah", "mulher jovem", em Isa. 7:
14, por virgem. A única tradução coerente é a da R.S.V.: "Eis que uma
mulher jovem conceberá, e dará à luz um filho".
A. R. Crabtree,
no livro A Profecia de Isaías, pág.
158, defende tese contrária, com bastante dogmatismo, ao afirmar que "almah" em
Isa. 7:14 deve ser traduzida por virgem, havendo assim um nascimento milagroso
no tempo de Isaías, semelhante ao de Cristo, sem se preocupar com o profundo
problema teológico envolvido nesta interpretação.
Sendo que este
mesmo autor declara que quase todas as palavras se usam em mais de um sentido,
informando-nos também que a significação de qualquer palavra deve ser
determinada pelo uso no contexto, pelo sentido com outras passagens bíblicas, e
em relação com o ensino geral da Bíblia sobre o mesmo assunto, não seria melhor
concluir que Isaías a empregou, no sinal para Acaz com o significado de jovem,
e Mateus fazendo uma aplicação messiânica do mesmo verso usa a palavra
parthenos ou virgem?
Quem seria a
jovem de Isaías 7:14? Três
possibilidades têm sido sugeridas:
1ª) Seria a própria esposa de Isaías;
2º) Outros advogam que esta jovem fosse a esposa do próprio rei Acaz,
pois ele tinha nesse tempo 21 anos;
3º) Um terceiro grupo, menos numeroso, mas com possibilidades
verossímeis, defende a tese de ser outra jovem da família real, bastante
conhecida a eles, mas a nós desconhecida.
Pessoalmente,
baseado no contexto bíblico (Is. 8:3), creio que a jovem era a própria esposa
de Isaías. Conferindo Isaías 1:1 com 6:1 concluiremos que o profeta estava no
início de seu ministério, que se estendeu por meio século após este evento.
III – Implicações
Teológicas
A verdade do
nascimento virginal de Cristo está implícita através das Escrituras, portanto
não precisa ser confirmada por uma palavra hebraica de Isaías 7:14.
Se a tradução de
"almah" por virgem, cria um problema de natureza teológica, por não
poder ser aplicável no tempo de Isaías; outro problema nada inferior a este
seria se Isaías houvesse usado a palavra "bethulah" para uma outra
ocorrência além do nascimento virginal de Cristo.
Se os exegetas
defendessem que Isaías 7:14 profetizava um nascimento virginal milagroso,
teriam também de aceitar que esta criança teria a mesma natureza divino-humana
e o mesmo poder que Jesus possuía.
Das muitas
explicações propostas, visando solucionar o problema, o livro Problems in Bible Translation, pág. 151,
destaca estas 4:
1º) Isaías 7:14 não constituía uma verdadeira profecia de eventos,
quer no tempo de Cristo ou no de Isaías;
2º) Cumpriu-se de alguma maneira desconhecida nos dias de Isaías e não
de outra forma;
3º) Apontava
ao futuro exclusivamente para o nascimento de Cristo;
4º) Era uma profecia dupla, aplicável tanto aos dias de Isaías, quanto
ao nascimento do Messias.
A primeira
explicação é insustentável para quem acredita na inspiração das Escrituras.
O segundo ponto
de vista nega a inspiração de Mateus.
A aceitação de
que a alusão apontava unicamente para o nascimento de Cristo despreza
completamente o contexto e o ambiente histórico de Isaías 7:14.
A quarta
solução proposta é a única totalmente consistente, com o conceito de que tanto
Mateus quanto Isaías foram inspirados.
O estudo atento
do texto hebraico e das varias interpretações propostas, nos levam à conclusão
de que em Isaías 7:14 temos uma profecia messiânica.
Este texto deve
ser incluído entre as profecias messiânicas pelo princípio do duplo cumprimento
comum a muitas profecias bíblicas, como nos confirmam os seguintes exemplos.
1º) A promessa feita a Abraão nos seus descendentes (Gên. 13:16;
15:5), e um descendente, que é Cristo (Gál. 3: 16).
2º) A profecia de Mateus 24, se cumpriu primeiramente na destruição de
Jerusalém, no ano 70 da nossa era; mas, o seu cumprimento final será no fim do
mundo.
Da mesma forma,
a promessa a respeito de Emanuel, teve uma aplicação imediata e primária da
libertação temporária de Judá nos dias de Acaz, mas depois de 730 anos, numa
aplicação secundária de outro livramento do inimigo, através da encarnação de
Cristo, iniciando assim o período da salvação espiritual e de paz com Deus.
O nome Emanuel,
dado à criança dos dias de Isaías, foi mudado diante da recusa de Acaz de
submeter-se a Deus. Isaías foi instruído a colocar na criança o nome de Maher -
Shalal - Has - Baz.
A promessa a
respeito de Emanuel poderia ser sintetizada nestas palavras: É uma promessa de
plena e absoluta confiança, de que o mesmo Deus que não desampararia os seus
filhos no tempo de Isaías. Ele através do nascimento de Cristo está conosco no
eterno concerto da graça para nos salvar, jamais desamparando o Seu povo, antes
protegendo-o e guardando-o para a glória futura.
Enfatizemos
mais uma vez a idéia contida em Isaías 7:9: "Se o não crerdes, certamente,
não permanecereis." Esta confiança absoluta, penhor da salvação (Is.
28:16) nos mostra que não podemos confiar em coisas ou em pessoas.
Que a promessa
apresentada por Isaías a respeito de Emanuel – Deus conosco – esteja sempre
conosco e que a transmitamos aos outros para sua e nossa salvação.
Extraído do Livro: "Leia e Compreenda melhor a Bíblia" de Pedro Apolinário;
Didática, Grifos e Acréssimos de
Pr. Cirilo Gonçalves da Silva
Mestre em Teologia e Evangelista
Twitter: @prcirilo
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